SUTILEZAS
DA IMPERFEIÇÃO
“Renda-se
como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se
preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”. (Clarice
Lispector).
Mesmo
diante do monumental desenvolvimento tecnológico, bem como da extraordinária
evolução cientifica da física quântica, o mistério da vida não se trata de uma
questão a resolver. Por outro lado, a exigência inata em buscar significados
para a vida, sem generalização, tem induzido o homem a buscar a perfeição,
sendo bastante pernicioso.
A
principal característica da perfeição é o excesso que detesta medida,
comprometendo a verdadeira condição humana que se trata de um ser de falta,
limitado, vulnerável e indigente, em razão do nascimento prematuro e o
consequente inacabamento biológico (neotenia). Ser incompleto e limitado é ser
privado de alguma coisa. Limite é privação.
O
limite não anuncia só a negação de algo, mas paradoxalmente anuncia aquilo que
é. A realidade é ameaçada e ao mesmo tempo sustentada pelo limite. Afastar-se
do limite é sair fora da realidade.
A
consciência do limite é a maior intimidade que o homem pode alcançar consigo
mesmo: recria o ser e não o recrimina. O homem se orienta para tudo aquilo que
é. Resgata e sustenta o ser e restitui a confiança naquilo que é. Nasce a
compaixão.
Essa
frenética busca de significados para preencher o vazio existencial, nos impede
de abraçar a nossa verdade inconsciente, colocando-nos fora das possibilidades
de compreensão. A imperfeição, ao contrário e em sua origem, é apenas a
experiência do limite.
A
indigência é a razão da necessidade, que é o motivo essencial para o
deslocamento rumo àquilo que satisfaz suas exigências para se manter vivo.
A
vida no animal é proporcional a sua realidade limitada. É leve. O homem é
insustentável, a indigência é pesada, pois ele sofre uma falta de ser e não de
objetos, a qual é impreenchível e revela fonte de uma transcendência
inesgotável, pois nunca atinge a sua medida. Trata-se de uma insatisfação
persistente e entusiasmo sem limites.
O
homem melhora e se promove a partir da indigência, pois o conteúdo da
indigência é a própria transcendência. O homem não busca o possível, mas o
impossível o que exige, para ser superado, outro tipo de lógica paradoxal: abraçar
o que rejeita e que gostaria de ignorar. Assim, a busca da perfeição
nos impede de abraçar o ser limitado em nós e nos outros e propõe sempre a
melhor solução, que possui maior força – o que deveríamos ser e o que deveríamos
fazer.
Mais
ainda, orienta a própria existência entre as coordenadas da culpa e do eu devo
e se enche de exigências sucessivas que o tornam constantemente inadaptado.
O
animal não apresenta expectativa, porque não conhece a possibilidade de solução.
O homem quer dar solução a qualquer coisa, o que o coloca em expectativa constante.
O
perfeccionista nunca está bem, porque sempre acha que não fez o melhor, o mais
correto, o mais adequado, valoriza-se apenas pelos resultados de suas ações e
não pelo fato de ser, provocando a síndrome do “exigir de mais de si
mesmo”, contrapondo àquilo que é e o que deveria ser”, vivendo
permanentemente a sensação de inadequação.
Tornar-se
humano é um gesto de aceitação de si. Para tornarmos humanos, a indigência reclama
indulgência. A consciência do limite é um treino para perceber a realidade na
perspectiva do limite, como também da compaixão.
Finalizando:
“É difícil ao homem
enfrentar-se e encontrar-se a si mesmo. Ávido de exterioridade, sua avidez o
conduz ao Vazio. E, ele fugindo de si mesmo encontra-se com a tortura da
imensidão de coisas que se abrangem nos sentidos”. (Da Ordem 2,10,30).
CAIXA PRETA - Roberto Lanza
11/08/2021
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