domingo, 27 de março de 2022

 

SUTILEZAS DO PERFEICIONISTA

 

“Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”. (Clarice Lispector).

 

Mesmo diante do monumental desenvolvimento tecnológico, bem como da extraordinária evolução cientifica da física quântica, o mistério da vida não se trata de uma questão a resolver. Por outro lado, a exigência inata em buscar significados para a vida, sem generalização, tem induzido o homem a buscar a perfeição, sendo bastante pernicioso.

A principal característica da perfeição é o excesso que detesta medida, comprometendo a verdadeira condição humana que se trata de um ser de falta, limitado, vulnerável e indigente, em razão do nascimento prematuro e o consequente inacabamento biológico (neotenia). Ser incompleto e limitado é ser privado de alguma coisa. Limite é privação.

O limite não anuncia só a negação de algo, mas paradoxalmente anuncia aquilo que é. A realidade é ameaçada e ao mesmo tempo sustentada pelo limite. Afastar-se do limite é sair fora da realidade.

A consciência do limite é a maior intimidade que o homem pode alcançar consigo mesmo: recria o ser e não o recrimina. O homem se orienta para tudo aquilo que é. Resgata e sustenta o ser e restitui a confiança naquilo que é. Nasce a compaixão.

Essa frenética busca de significados para preencher o vazio existencial, nos impede de abraçar a nossa verdade inconsciente, colocando-nos fora das possibilidades de compreensão. A imperfeição, ao contrário e em sua origem, é apenas a experiência do limite.

A indigência é a razão da necessidade, que é o motivo essencial para o deslocamento rumo àquilo que satisfaz suas exigências para se manter vivo.

A vida no animal é proporcional a sua realidade limitada. É leve. O homem é insustentável, a indigência é pesada, pois ele sofre uma falta de ser e não de objetos, a qual é impreenchível e revela fonte de uma transcendência inesgotável, pois nunca atinge a sua medida. Trata-se de uma insatisfação persistente e entusiasmo sem limites.

O homem melhora e se promove a partir da indigência, pois o conteúdo da indigência é a própria transcendência. O homem não busca o possível, mas o impossível o que exige, para ser superado, outro tipo de lógica paradoxal: abraçar o que rejeita e que gostaria de ignorar. Assim, a busca da perfeição nos impede de abraçar o ser limitado em nós e nos outros e propõe sempre a melhor solução, que possui maior força – o que deveríamos ser e o que deveríamos fazer.  

Mais ainda, orienta a própria existência entre as coordenadas da culpa e do eu devo e se enche de exigências sucessivas que o tornam constantemente inadaptado.

O animal não apresenta expectativa, porque não conhece a possibilidade de solução. O homem quer dar solução a qualquer coisa, o que o coloca em expectativa constante.

O perfeccionista nunca está bem, porque sempre acha que não fez o melhor, o mais correto, o mais adequado, valoriza-se apenas pelos resultados de suas ações e não pelo fato de ser, provocando a síndrome do “exigir de mais de si mesmo”, contrapondo àquilo que é e o que deveria ser”, vivendo permanentemente a sensação de inadequação.

Ninguém se cura de ser humano. Tornar-se humano é um gesto de aceitação de si. Para tornarmos humanos, a indigência reclama indulgência. A consciência do limite é um treino para perceber a realidade na perspectiva do limite, como também da compaixão.

Finalizando:

“É difícil ao homem enfrentar-se e encontrar-se a si mesmo. Ávido de exterioridade, sua avidez o conduz ao Vazio. E, ele fugindo de si mesmo encontra-se com a tortura da imensidão de coisas que se abrangem nos sentidos”. (Da Ordem 2,10,30).

 

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