sexta-feira, 14 de agosto de 2015

REEDIÇÃO: Eu sei quem eu sou! E você?

domingo, 21 de dezembro de 2014


Eu sei quem eu sou. Passo a receita para quem se interessar.

           Sem possibilidade de precisão, mas possivelmente quando eu teria entre cinco e seis anos de idade, ocorreu-me um fato relevante na minha historia de vida, durante a colheita de jabuticabas num pomar pertencente à um fazendeiro nosso conhecido. 
Eu estava acompanhado de minha família, juntamente com outros familiares vizinhos e dentro do pomar tirei os sapatos para subir em um pé de jabuticaba. De pé em pé fui colhendo a fruta e, ao mesmo tempo, apalpando o mundo, mapeando no meu cérebro sabores e outros fenômenos indispensáveis pára a configuração da minha futura existência, semelhante a uma pequena peça de um mosaico. Contagiado pelo o Dom da vida, fui sendo invadido por uma sensação de euforia,  de liberdade inerente à existência;          
Desprovido de percepção da realidade, fui me afastando do grupo de familiares, permanecendo bastante distraído por determinado tempo.
Quando acordei para a realidade, com o dia já escurecendo, eu me encontrava sozinho e fui tomado de muita aflição, gritei pela minha mãe, mas foi em vão. Desci do pé de jabuticaba apanhei os meus sapatos, mas não conseguia caminhar descalço naquele solo cheio de gravetos perfurantes. Gritei por socorro novamente, mas foi em vão.
De repente, olhei para as fôrmas dos sapatos e simultaneamente a formas dos meus pés e o milagre aconteceu. Consegui articular o encaixe dos pés pela percepção da forma de cada pé com as fôrmas de cada sapato, encontrando a solução. Calcei os sapatos sem dificuldades, o que antes não sabia fazer. Sempre dependia de minha mãe para calçar os sapatos, por virgindade daquele ato, cuja descoberta fui tomado de uma espécie de euforia de libertação, fato comprovado pela minha consciência, pois  nunca mais dependi de minha mãe para tal finalidade.
Acredito que tal evento foi um marco inicial para o penoso processo de inserção na civilização, pois não me lembro de outros eventos similares naquela idade. Certamente muitos outros eventos se manifestaram, mas estão arquivados na minha caixa- preta”, provavelmente de forma inconsciente.
Lembro-me muito pouco da minha pequena infância, mas sei, de forma sintomática, que não foi muito fácil o natural percurso de desvinculação dos laços afetivos familiares com o mundo externo no qual fui inserido.
Ingressei-me no grupo escolar aos sete anos de idade. Aos poucos fui aprendendo, também, como me preparar e vestir o uniforme, por iniciativa própria, mas dominado por uma angustia inominável. Que bom que eu aprendi a me preparar para o meu ingresso na civilização (afinal, não existe outro meio!), mas, há um risco. Vejamos o que disse o Grande Pensador Rubens Alves: Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas”.
Por outro lado, considerava tudo uma obrigação sem sentido e desagradável. Tomei até antipatia do banho e do uniforme escolar. Sentia-me conduzido por algo misterioso e indesejado retirando-me do aconchego e da zona de conforto.
Disso eu nada entendia. Nem tampouco na escola primária, como por exemplo: a lógica da análise sintática da disciplina Língua Pátria. Aprendia no decoreba. Quando passei a entender matemática dentro da sua lógica formal (pois tinha facilidade), tudo melhorou para outras disciplinas. Interessante destacar que: quem resolve um problema de matemática está focado no processo, sem se preocupar com o resultado. Eis aí um paradigma para a importância da busca e da indagação. O processo é sempre recorrente a valores já conhecidos, tais como: tábuas aritméticas, princípios, axiomas, propriedades primitivas ou postulados e outros princípios e valores em alta escala.
Na minha história singular, gostaria de destacar outros pequenos tópicos que vivenciei no trajeto da minha infância para a adolescência, época onde as tradições culturais, pelo menos, eram mais autênticas e mais assertivas..
Algumas vezes, ficava observando os urubus plainando no céu sem precisar bater suas asas. A inveja me dominava e eu questionava de maneira egoística: por que eu não possuo este privilégio? Será castigo de Deus?
E mais, ainda: naquela época sempre ficava fascinado, quando visitava o alto das colinas ou das serras, observando o sol aparecer ou desaparecer na linha do horizonte, até onde os meus olhos alcançavam.
Acreditava, com a minha ingênua imaginação, que ali era o inicio ou o  fim, mesmo com uma incrível admiração e natural beleza, permanecia lá, alheio ao mundo e à deriva da minha imaginação, olhando o solo ressurgindo ou se afastando aos poucos, e encontrando com as aureolas solar matutinas e vespertinas Será que está começando um dia novo ou um velho dia de novo?. Faz sentido para a natureza humana!
Apesar do ciclo vicioso ou ciclo virtuoso condicionante à percepção de cada um de nós, eu buscava encontrar lógica para a tais fenômenos, mas eu não possuía alcance suficiente para compreendê-los. De maneira superficial, conseguia perceber que o dia e a noite não podiam conviver juntos e que, por outro lado, a constituição de um lar necessitava de um pai e de uma mãe (indícios de polaridades para mim  predominantes).
Essa repetição cambiante, assim como outros fenômenos existenciais, algumas vezes novo dia, todo irradiante e iluminado parecia=me como o Dom da vida. Mas, outras vezes, tudo parecia o velho dia de novo, se repetindo. Essa inquietante estranheza, fruto da repetição, incomodava-me bastante. 
Acontece que a natureza sempre foi, é, e será assim de forma autônoma e sem tomar qualquer tipo de deliberação, constantemente em processo de evolução sem dar saltos, sempre indiferente à nossa opinião e contemplação. Afinal, por que nos rebelamos com tão indiferença da natureza?
O principio da não indiferença ou do manancial de diversidade de coisas. objetos e valores só existe para a humanidade.Tudo que é antrópico não é natural e é tributário da linguagem humana...
Assim, parecia-me que cada conhecimento adquirido induzia-me a acreditar que: “quanto mais visibilidade, maior é a invisibilidade” (pensamento filosófico).
Torna-se oportuno mais uma vez citar Rubens Alves::
“Há pessoas de visão perfeita que nada veem... O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido [...] o que somos é o resultado de uma história que fizemos – e que poderíamos ter feito de maneira diferente.”... e se não poderíamos tê-la feito diferente, não podemos agora fazê-la?.
O tempo passou, eu cresci e entendi que o novo dia causava-me alegria enquanto que o velho dia de novo era uma repetição angustiante.
Da mesma forma, o aumentar dos solos e o diminuir da intensidade da luz solar não era de verdade, pois tal fenômeno sumia para mim enquanto surgia para outros olhares que, em algum outro lugar, dividia comigo o ato magico de navegar pela vida.
Tratava-se, portanto, na verdade, de tudo que eu via era pelo singular e puro fato de quem ainda não aprendera sobre certos limites.
Com o meu amadurecimento natural e pessoal, pude compreender que tudo se tratava de compartilhar com nossos semelhantes  uma maneira sutil de ritualizar uma nova existência..
Trata-se de um fato de que temos sempre a opção de continuar achando que a finitude dos horizontes da percepção seguem o pressuposto da sentença do berço ao túmulo”. E ainda, quando chegada a hora, morrerão por si só.
Um importante conceito filosófico nos diz que: “nada nasce ou perece, tudo que existe é uma mistura e separação de coisas já existentes”.
Faz sentido matar dentro de nós. Questão de espaço.. É que não comportamos tudo. Não há espaço para tantos conhecimentos e sentimentos. E quando insistimos em manter vivos certos sentimentos através de respiração artificial, não há espaço para nascer nada de novo. Então temos que abrir o baú dentro de nós contendo  mágoasdores – velhas ou novas moções empoeiradas, vícios humanos, escolhas erradas, ferimentos mantidos sangrando, decepções, conceitos obliterados, amores infelizes, imagens amareladas, relacionamentos passados, tristezas, amarguras, pessoas perdidas, etc.. É o protótipo dor de existir que morde a vida e sopra a ferida da existência.
Há dentro do ser humano um sentimento profundo de perda de algo precioso e um forte vínculo que caracteriza uma união e, ao mesmo tempo, uma interdição como se a articulação existencial do um com o outro não existisse como separação.
No fundo uma anulação da identidade própria dotada de um complemento, bloqueando uma alteridade feliz e desejo de amor e de sexualidade.
Mas, na verdade, isso significa manter no nosso âmago tudo - até o lixo - que arquivamos em nossa “caixa preta” cada vez mais abarrotada de arquivos que crescem e crescem engessando a nossa vida, que, na verdade, não passam de arquivos mortos. É isso! Ou então encaramos a fera e aprendemos a matá-la.
Mas, o que deverá morrer em mim hoje? Essa é a pergunta que a fera sugere para começar.
E eu, com a experiência vivencial observadora, permiti-me acrescentar: não basta escolher dentro de nós o que deve morrer e em seguida matar. É preciso enterrar. Assim, eu passei a ver o mundo de outra maneira e não foi o mundo que mudou, foi eu.
Acontece que os nossos desígnios conscientes não são capazes de elucidar os enigmas do nosso mundo subterrâneos cheios de vastas emoções e de pensamentos imperfeitos. Por capricho do destino do humano, condenado a ter consciência de si mesmo, é um ser subvertido pela verdade do desejo inconsciente e representado pela ordem simbólica. Somos “plugados “ demais às nossas tradições cultuais. 
E por aí vai... A lista é individual e cada um tem a sua. O que é comum a todos é a responsabilidade de, interiormente, exterminar, dar fim ao que é ruim para que algo novo e bom possa nascer.
É fácil?  Não mesmo! Matar internamente não é um simples desejar, é mudança de atitude. No entanto, para mudar comportamentos de forma permanente, é necessário mudar primeiramente as concepções que os fundamentam. No entanto, Infelizmente, no ser humano “há um saber que convence, mas não converte”. 
Porque às vezes o que nos fez mal já está pra lá de morto, mas mantemos mumificado dentro de nós, para usarmos como referencial, para não esquecermos de que sofremos para não cairmos de novo nas mesmas armadilhas. Outro engano: nada é igual nunca. Dores embalsamadas não servem como exemplo e nem protegem, só paralisam.
Não há fórmula. Não há bulas. A única maneira de viver é permitir que a vida nasça e morra e de novo nasça, tantas vezes quanto forem necessárias. Portanto, para abrir os espaços é necessário fazermo-nos  perguntas. E uma vez identificado o que não é bom e não nos serve mais, devemos dar-lhe a morte. Em seguida enterremos nosso morto, choremos um pouco, e, cumprido o ritual, vistamo-nos com esmero para esperar. Afinal, viver é inventar a vida. Algo bom estará nascendo.
E olhando da janela da nossa “caixa preta” para o horizonte que parece ser o fim, mas é também o princípio, podemos considerar: “não somos nada, o que buscamos é tudo”. .(Rubens Alves).
A partir da reflexão de Nietzsche a seguir, é possível pensar nas várias maneiras de exercermos a nossa liberdade, mesmo que para isso seja necessário nos perdermos. A grande sabedoria está no saber perder-se a si mesmo e em seguida buscar o caminho do reencontro consigo mesmo:  "Uma vez que se tenha encontrado a si mesmo é preciso saber, de tempo em tempo perder-se e depois reencontrar-se, pressuposto que se seja um pensador. A este, com efeito, é prejudicial estar sempre ligado a uma pessoa". Afinal, viver é inventar o dia por si só
Com base na reflexão acima, acrescento eu: o sentido proposto por Nietzsche para tal pessoa, não se trata de uma pessoa qualquer encontrável no mundo exterior, trata-se de um outro de mim mesmo ao qual sou mais apegado, mas não me completa nunca. 
                                                                     
            Para concluir: 

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas 
usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer 
os velhos caminhos, que nos levam sempre 
aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: 
e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado,
para sempre, à margem de nós mesmos.”
Fernando Pessoa

CAIXA PRETA Roberto Lanza 

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