quinta-feira, 29 de setembro de 2016

IGNORANDO QUEM EU SOU


O homem quando se identifica com a sua personalidade e com a forma material, é inconsciente de sua verdadeira essência, do seu EU Real, e durante longo tempo não percebe essa atração da alma; ou melhor, percebe-a inconscientemente, como sensação de vazio, de insatisfação, de solidão, de separação. Sente-se incompleto, e então busca a complementação em caminhos errados, no exterior, mantendo-se constantemente iludido.

Poderíamos dizer que o sofrimento fundamental do homem, sua angustia existencial é, na realidade, o sentimento de ter perdido a si mesmo, de se ter distanciado da sua realidade espiritual.

Dizia Stendhal, com argucia: “Vemos as coisas tal como se afiguram à nossa cabeça. Portanto, precisamos conhecer a nossa cabeça”.

O homem tem dentro de si a exigência inata de compreender o significado da vida, porque é o único entre os seres viventes que tem consciência de que existe, o senso do eu individual, e a faculdade de pensar e de fazer perguntas a si mesmo.


O mistério da vida não é um problema a resolver, mas uma realidade a experimentar. Van Der leeuw

CAIXA PRETA Roberto Lanza
29/09/2016

O DESPRAZER

Dependendo da estruturação do aparelho psíquico segue-se uma via simbólica ou anatômica para alívio dessa tensão. Pois, como disse Freud, “o aparelho psíquico não tolera o desprazer; tem de desviá-lo a todo o custo, e se a percepção da realidade acarreta desprazer, essa percepção – isto é, a verdade – deve ser sacrificada”. No entanto, para que se possa entender esse processo, a forma como as questões conflitivas ou de desprazer são processadas, faz-se necessário compreender um pouco da estrutura psíquica.

Existe, pois, uma espécie de lei inscrita em cada ser: é feito para a alegria e não para o sofrimento.
No plano afetivo, sua busca de amor e de troca de ternura e de alegria não tem fim. No plano cognitivo, uma curiosidade, muito frequentemente insaciável, fá-lo apreciar as alegrias da descoberta, assim como a euforia da criatividade literária e artística.

CAIXA PRETA Roberto Lanza
29/09/2016

A INCOMPLETUDE HUMANA

A incompletude, mesmo não constituída em assunto empolgante para conversas tanto populares quanto eruditas, é, todavia, sentida, todos os dias, como experiência na condição humana. Querendo ou não, sentem-se os humanos obrigados a lidar com constatações que mostram, ao lado das suas grandes capacidades, um antagonismo de extraordinária fragilidade, e que em todos os dias os interpela para preencher a falta de algo, seja na mediação dos recursos técnicos, eletrônicos e midiáticos, ou na procura de reagentes somáticos para diminuir dores, suprir fomes, expectativas, ansiedades e tantos outros limites.

O termo “incompletude” decorre do adjetivo derivado da palavra latina “incompletu” que significa imperfeito, não acabado ou não completo. Assim, a palavra incompletude é usada para expressar a característica muito peculiar e específica da condição humana, que é a da constante necessidade de se completar com serviços, obras, ações e valores que lhe deem significado. É nesta perspectiva antropológica que vamos alargar uma das muitas dimensões da cultura humana e que, por isto mesmo, nos distingue radicalmente da vida de outros seres neste planeta.

Texto compilado de:
João Inácio Kolling1

1 É professor da Faculdade La Salle de Lucas do Rio Verde-MT, Mestre em Antropologia e Doutor em Filosofia e Ciências da Educação. Endereço: joaoik@bol.com.br ou João@unilasallelucas.edu.br

CAIXA PRETA Roberto Lanza
29/09/2016

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

UMA ILUSÃO COTIDIANA


No âmago do ser humano há uma fonte que nutre a fantasia de que em algum lugar alguém está nos esperando sem nem saber que a gente existe e, no entanto, pensando em nós com se fôssemos “almas gêmeas”.
Na realidade, o que esperamos deste encontro? As artes, as músicas, os mitos, as lendas, etc. parecem que vêm atestando tal condição. Somos realmente peregrinos na busca de algo intimamente relacionado com a plenitude, para nos sentirmos completos e inteiros.
Infeliz daquele que ignora os riscos e as possibilidades de encontrar pela vida alguém, acreditando que haverá plenitude desse encontro. Haverá sim um encontro, mas será de duas faltas. A sua e a do outro. Se não for percebido isso o perigo é maior que da ilusão vem logo a desilusão..
Estar inteiro é assumir-se como ser humano saudavelmente independente. Seja, portanto, um ser inteiro antes de ser apenas a metade de um casal. Eu gosto de dizer que casado é feito de dois inteiros e não de duas metades. Somente um ser inteiro pode dizer que ama e é amado. Por que ser apenas metade se você é um individuo e seu parceiro (a) também é outro?
Afinal, querer satisfação plena todo mundo quer. Mas abrir mão de si pelo outro é impossível e pouco recomendável. O justo seria tentar ser fiel ao próprio desejo, mas deixando de ter certo cuidado com a forma de lidar com isso. Afinal orientar por uma ética mais solidária talvez seja a saída. Tentar levar as coisas de tal modo que, sendo fieis ao próprio desejo, não esqueçamos que o outro existe e que esta alteridade deve ser considerada. Isso é difícil, mas não impossível. Afinal, que graça teria se na vida fosse tudo muito fácil?
“É difícil ao homem enfrentar-se e encontrar-se a si mesmo. Ávido de exterioridade, sua avidez o conduz ao Vazio. E, fugindo ele de si mesmo encontra-se com a tortura da imensidão de coisas que se abrangem nos sentidos”. (Da Ordem 2,10,30).

E ainda:
“Por que se dispersa fora? Começou a entregar seu coração ao exterior e perdeu-se a si mesmo. Quando o homem, por amor a si mesmo, entrega seu coração às coisas de fora, perde-se na fluidez dessas coisas e, de certo modo, dissipa prodigamente suas forças. Esvazia-se de si. Despedaça-se”. (Sermões 96,2)
Como podemos entender tais pensamentos filosóficos?
“Ao Ego, será sempre impossível a plenitude! Como “filho legítimo” da Grande Separação, do surgimento do “eu separado”, do Adão (que vem do Sânscrito: adhi – aham – “primeiro eu”), sempre lhe faltara algo – pois ele sofre a perda da identidade com o todo, desde que se diferenciou dessa matriz primordial, ontológica, representada inicialmente no psiquismo individual pelo útero materno e, logo após, pela relação simbiótica e edipiana com a figura materna. E em busca desse Algo ele tece desde o nascimento uma teia de incontáveis desejos na esperança inconsciente de sustentar-se sobre o imenso vazio existencial, num desespero inaudível de busca de sobrevivência e auto justificativa para o devir dessa existência.
Ele (o ego) se esforça laboriosamente através da vigília e do sono para satisfazer a cada um dos seus desejos, ora justificando-os como instintos naturais e intransponíveis, ora vestindo-os em trajes mais nobres, como algum bem social  moral, cientifico ou até mesmo espiritual”.(Professor Afonso Celso L. Wanderley.)
Por outro lado, existe uma espécie de lei inscrita em cada ser: na qual ele é feito para a alegria e não para o sofrimento. Viver é uma miscelânea de sentimento, como dor, alegrias, tristezas, prazeres, euforia, amor, felicidade, sem parâmetros de balizamento. Nada disso é coletivo (é pessoal) e nem sequer transferível. Daí a felicidade tornar-se um episódio transitório e repetitivo.
Para grande maioria das pessoas, a vida é um processo de gozar o possível do corpo, reservando-se para a luz da fé as ocasiões de sofrimento inadiáveis. Nossa verdadeira natureza é a paz; a verdade; o amor; a felicidade;... São as crenças cegas que fazem nossa vida infeliz.
Neste sentido, vejamos o que diz o poeta Vicente de Carvalho (1866-1924) em seu Poema Velho Tema, no qual ele exprime essa arrigada condição humana: a incapacidade de sermos felizes por não valorizarmos o que a vida nos oferece.  
Só a leve esperança, em toda vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada.
Nem é mais a existência, resumida.
Que uma grande esperança malograda
.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
È uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda vida

Essa felicidade que supomos,
Arvore milagrosa que sonhamos,
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde estamos.

Felicidade, árvore frondosa de dourados pomos. Existe, sim, mas nós nunca a encontramos porque ela está sempre apenas onde nós a pomos, e nunca a pomos onde nós estamos.

CIXA PRETA - Roberto Lanza 
28/09/2016


O ENIGMA FUNDAMENTAL

    

Na nossa mais remota existência, como pequenos perversos e habitantes de um mundo de pensamentos imperfeitos e de vastas emoções, tramamos cometer dois terríveis crimes, que permaneceram registrados em nosso inconsciente, não porque eram importantes, mas são importantes porque permaneceram.
Tratam-se de desejos relacionados com o parricídio e com o incesto, cientificamente comprovados  pela práxis da clinica psicanalítica  e da ciência do inconsciente.
Essas experiências vividas inconscientemente pela criança, certamente não foram concretizada por impossibilidade de um frágil SER totalmente impotente. Por isso mesmo, não passaram de desejos de amor e ódio que devotamos aos nossos pais (não necessariamente aos pais biológicos), mas que determinam os nossos desígnios conscientes, bem como a força motriz que balizam os nossos destinos.
A nossa verdade, ou melhor, a verdade do desejo inconsciente é sempre um enigma a ser decifrado. No enigma, a verdade e o engano são complementares e não excludentes. A questão fundamental, na ótica da psicanálise, reside no fato de que somos dois sujeitos um dos quais nos é inteiramente desconhecido. Os nossos desígnios conscientes não são capazes de elucidar os enigmas presentes em nosso inconsciente, portador de uma forte carga afetiva muito poderosa e indelével, que norteiam os nossos destinos. 
Na clinica psicanalítica quem descobre os crimes é o próprio paciente, necessariamente pela relação transferencial com o analista. É fato que ninguém transforma ninguém, mas consegue transformar a si mesmo com a ajuda de outros, especialmente os profissionais da área da saúde mental..
Mas, trata-se de um processo longo e sinuoso na relação entre paciente e analista, denominada função transferencial,ao mesmo tempo em que revela a verdade do sujeito também a produz. Uma das propriedades de tal relação é a impressão de que o desejo do paciente é uma crença equivocada de que há um suposto saber do analista, não se tratando de algo já pronto e acabado, mas ela é, também, produtora do desejo.
Os especialistas da área consideram que só pode existir desejo do paciente a partir da clínica analítica e que não há desejo inconsciente antes do inicio da analise demandada pelo analisando. Isso pode patentear a condição humana de dependência de um Outro (Grande Outro) que garantiu a nossa sobrevivência e nos salvou do desamparo fundamental.
Nós, humanos, nascemos biologicamente incompletos e desprovidos dos instintos naturais, que guiam os outros animais. De início, nada dependeu de nós para depois tudo depender de nós.
Essa verdade fundamental que se manifesta no nosso cotidiano, não nos remete diretamente a ela, pois não se trata de uma verdade desvelada, mas dissimulada e distorcida. Trata-se, pois, de um enigma a ser decifrado. A teoria e prática da decifração constitui o objetivo da psicanálise. Claro que existem outras teorias e metodologias com tal objetivo.
Agora, cabe uma importante questão que deve ser formulada: por que nos sentimos culpados daquilo que não cometemos? E ainda mais: para esses crimes imaginários: por que a existência de tantas teorias e práticas voltadas para a decifração da nossa verdade inconsciente?
Interessante é que em nossa consciência não há traços desses desejos mencionados, mas seus efeitos perduram por toda vida. Por essa razão, o inconsciente é a nossa verdade, que funciona como indícios de algo desconhecido por nós mesmos.
No percurso de uma análise clínica não há receituário para a cura. É o próprio paciente que apresenta indicações equivocadas, daí as intervenções do analista na busca de desfazer as ambiguidades, não para eliminá-las, por ser impossível, mas no sentido de aliviar os sintomas e facilitar a continuidade do processo de cura do paciente. Interessante é que a ambiguidade está ligada à verdade do sujeito de forma necessária e não no sentido oposto. Somos nós que construímos e desatamos nós.
O caráter indicial de nossa historia oculta aponta para um passado arcaico e pelo que são em si mesmo. Essa persistência, por se manifestar mascarada pelos sintomas, não é devido a importância desses registros, mas possivelmente pela sua desimportância. Os fatos minúsculos é que são portadores dos desejos inconscientes e não os grandes acontecimentos de nossas vidas. Não devemos tentar simplificar as questões complexas e sim lidar com as complexidades de forma simples. Assim, o psicanalista opera como suspeito e não com boa fé.
Como a verdade resiste à significação, mas não cessa de insinuar sua emergência, o inconsciente teima em se ocultar e só se oferece dissimuladamente em nossos sonhos e nas lacunas do nosso discurso consciente. Um dos pontos fundamentais da verdade psicanalítica é que ela só pode ser obtida recorrentemente, a partir do lugar definido pela relação transferencial analista / analisando que a verdade do desejo pode emergir. O inconsciente não se oferece nitidamente à escuta do psicanalista, considerado um suposto saber, suspeitando que nosso relato seja um enigma a ser decifrado, mas que sabe também que na fala do paciente há uma verdade embutida com o proposito de ser dita.
A verdade do desejo inconsciente é sempre sexual, no entanto é uma cobiça interditada. São Paulo nos revela que as leis sagradas existem porque existe o pecado. A partir da Lei “não cobices” nos remete ao pecado.
Na clinica não temos de um lado o analista-investigador” decifrando a verdade paralelamente com o “paciente-culpado”oferecendo pistas falsas ao analista na tentativa de sanar os indícios do seu crime. Quem descobre o crime é o próprio paciente, desde que haja uma relação com o analista. Parece que se trata de uma condição necessária, segundo Freud. .
De nada adiantaria ao analista desvelar essa verdade já pronta, porque ela não é externa ao paciente, mas sim na relação que mantêm com o analista. Essa verdade não é algo externo com um dado que poderia ser encontrado, mas ela não cessa de se manifestar através dos sintomas e queixas do paciente. Expulsar para fora os conflitos inconscientes é uma das funções do ego.
No tratamento psicanalítico, a experiência dialógica levada até as suas ultimas consequências, nos alça de mundo subterrâneo de repetição paralisante de morte para a saída criativa da vida.
Para tanto, é importante que o paciente tenha coragem de se rever, respeitando um dos maiores preceitos da psicanalise que é: “a recusa em tamponar a brecha que existe entre o sujeito e a sua verdade”.
A verdade do desejo inconsciente só pode ser desvelada para viabilizar o desenvolvimento do sujeito humano através da linguagem. A psicanalise, como ciência do inconsciente, indica que somos seres de linguagem e é somente através dela que se viabiliza a verdade do desejo humano, dai o poder das palavras.
Texto extraído do livro A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS de autoria de Luiz Alfredo Garcia-Roza, Editora Jorge Zahar.
CAIXA PRETA - Roberto Lanza 
28/09/2016