Na nossa mais remota
existência, como pequenos perversos e habitantes de um mundo de pensamentos
imperfeitos e de vastas emoções, tramamos cometer dois terríveis crimes, que
permaneceram registrados em nosso inconsciente, não porque eram importantes,
mas são importantes porque permaneceram.
Tratam-se de desejos
relacionados com o parricídio e com o incesto, cientificamente comprovados pela práxis da clinica psicanalítica e da ciência do inconsciente.
Essas experiências vividas
inconscientemente pela criança, certamente não foram concretizada por
impossibilidade de um frágil SER
totalmente impotente. Por isso mesmo, não passaram de desejos de amor e ódio
que devotamos aos nossos pais (não necessariamente aos pais biológicos), mas
que determinam os nossos desígnios conscientes, bem como a força motriz que balizam
os nossos destinos.
A nossa verdade, ou melhor,
a verdade do desejo inconsciente é sempre um enigma a ser decifrado. No enigma,
a verdade e o engano são complementares e não excludentes. A questão
fundamental, na ótica da psicanálise, reside no fato de que somos dois sujeitos
um dos quais nos é inteiramente desconhecido. Os nossos desígnios conscientes
não são capazes de elucidar os enigmas presentes em nosso inconsciente, portador
de uma forte carga afetiva muito poderosa e indelével, que norteiam os nossos
destinos.
Na clinica psicanalítica quem
descobre os crimes é o próprio paciente, necessariamente pela relação
transferencial com o analista. É fato que ninguém transforma ninguém, mas consegue
transformar a si mesmo com a ajuda de outros, especialmente os profissionais da
área da saúde mental..
Mas, trata-se de um processo
longo e sinuoso na relação entre paciente e analista, denominada função transferencial,ao
mesmo tempo em que revela a verdade do sujeito também a produz. Uma das
propriedades de tal relação é a impressão de que o desejo do paciente é uma
crença equivocada de que há um suposto saber do analista, não se tratando de
algo já pronto e acabado, mas ela é, também, produtora do desejo.
Os especialistas da área
consideram que só pode existir desejo do paciente a partir da clínica analítica
e que não há desejo inconsciente antes do inicio da analise demandada pelo analisando.
Isso pode patentear a condição humana de dependência de um Outro (Grande Outro)
que garantiu a nossa sobrevivência e nos salvou do desamparo fundamental.
Nós, humanos, nascemos
biologicamente incompletos e desprovidos dos instintos naturais, que guiam os
outros animais. De início, nada dependeu de nós para depois tudo depender de
nós.
Essa verdade fundamental que
se manifesta no nosso cotidiano, não nos remete diretamente a ela, pois não se
trata de uma verdade desvelada, mas dissimulada e distorcida. Trata-se, pois,
de um enigma a ser decifrado. A teoria e prática da decifração constitui o
objetivo da psicanálise. Claro que existem outras teorias e metodologias com
tal objetivo.
Agora, cabe uma importante
questão que deve ser formulada: por que
nos sentimos culpados daquilo que não cometemos? E ainda mais: para esses
crimes imaginários: por que a existência
de tantas teorias e práticas voltadas para a decifração da nossa verdade
inconsciente?
Interessante é que em nossa
consciência não há traços desses desejos mencionados, mas seus efeitos perduram
por toda vida. Por essa razão, o inconsciente é a nossa verdade, que funciona
como indícios de algo desconhecido por nós mesmos.
No percurso de uma análise
clínica não há receituário para a cura. É o próprio paciente que apresenta
indicações equivocadas, daí as intervenções do analista na busca de desfazer as
ambiguidades, não para eliminá-las, por ser impossível, mas no sentido de
aliviar os sintomas e facilitar a continuidade do processo de cura do paciente.
Interessante é que a ambiguidade está ligada à verdade do sujeito de forma necessária
e não no sentido oposto. Somos nós que construímos e desatamos nós.
O caráter indicial de nossa
historia oculta aponta para um passado arcaico e pelo que são em si mesmo. Essa
persistência, por se manifestar mascarada pelos sintomas, não é devido a importância
desses registros, mas possivelmente pela sua desimportância. Os fatos
minúsculos é que são portadores dos desejos inconscientes e não os grandes
acontecimentos de nossas vidas. Não devemos tentar simplificar as questões
complexas e sim lidar com as complexidades de forma simples. Assim, o
psicanalista opera como suspeito e não com boa fé.
Como a verdade resiste à
significação, mas não cessa de insinuar sua emergência, o inconsciente teima em
se ocultar e só se oferece dissimuladamente em nossos sonhos e nas lacunas do
nosso discurso consciente. Um dos pontos fundamentais da verdade psicanalítica
é que ela só pode ser obtida recorrentemente, a partir do lugar definido pela
relação transferencial analista / analisando que a verdade
do desejo pode emergir. O inconsciente não se oferece nitidamente à escuta do
psicanalista, considerado um suposto saber, suspeitando que nosso relato seja
um enigma a ser decifrado, mas que sabe também que na fala do paciente há uma
verdade embutida com o proposito de ser dita.
A verdade do desejo
inconsciente é sempre sexual, no entanto é uma cobiça interditada. São Paulo
nos revela que as leis sagradas existem porque existe o pecado. A partir da Lei
“não cobices” nos remete ao pecado.
Na clinica não temos de um
lado o “analista-investigador” decifrando a verdade paralelamente com o
“paciente-culpado”oferecendo
pistas falsas ao analista na tentativa de sanar os indícios do seu crime. Quem
descobre o crime é o próprio paciente, desde que haja uma relação com o
analista. Parece que se trata de uma condição necessária, segundo Freud. .
De nada adiantaria ao
analista desvelar essa verdade já pronta, porque ela não é externa ao paciente,
mas sim na relação que mantêm com o analista. Essa verdade não é algo externo
com um dado que poderia ser encontrado, mas ela não cessa de se manifestar
através dos sintomas e queixas do paciente. Expulsar para fora os conflitos
inconscientes é uma das funções do ego.
No tratamento psicanalítico,
a experiência dialógica levada até as suas ultimas consequências, nos alça de
mundo subterrâneo de repetição paralisante de morte para a saída criativa da
vida.
Para tanto, é importante que
o paciente tenha coragem de se rever, respeitando um dos maiores preceitos da
psicanalise que é: “a recusa em tamponar a brecha que existe entre o sujeito e a sua
verdade”.
A verdade do desejo inconsciente
só pode ser desvelada para viabilizar o desenvolvimento
do sujeito humano através da linguagem. A psicanalise, como ciência do
inconsciente, indica que somos seres de linguagem e é somente através dela que
se viabiliza a verdade do desejo humano, dai o poder das palavras.
Texto extraído do livro A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS de autoria de Luiz Alfredo Garcia-Roza, Editora Jorge Zahar.
CAIXA PRETA - Roberto Lanza
28/09/2016
Texto extraído do livro A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS de autoria de Luiz Alfredo Garcia-Roza, Editora Jorge Zahar.
CAIXA PRETA - Roberto Lanza
28/09/2016
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