Existem pessoas que percorrem o mundo Inteiro na procura de si mesmo (André Luiz).
O homem é um animal, consciente
de si mesmo, que transcende toda outra forma de vida, mesmo estando na natureza,
sendo obrigado a aceitar seus mandamentos e contingências. Ele transcende a
natureza porque lhe falta a inconsciência que torna o animal uma parte uno com a natureza, residência de o próprio SER.
Como na natureza tudo
se repete sem qualquer deliberação, o homem se rebela e se defronta com o
assustador conflito de ser prisioneiro da natureza e, no entanto, ser livre em
seus pensamentos e, ao mesmo tempo, ser uma “curiosidade” da natureza, não estando cá e nem lá. A consciência de
si mesmo tornou-o um estranho no mundo em que vive. Sendo um ser apartado da
natureza, ele busca fora de si mesmo o resgate da sua própria essência. . .
Dentro do enfoque antropológico, ao fazer uma ponderação sobre constatações e sentimentos de
uma grande massa delirante da população humana terrena, podemos extratar um
profundo sentimento de incompletude. Desta forma, o ser humano é profundamente
afetado pela sensação de incompletude.
O desejo de livrar-se
do desconforto provocado por tal extrato, sempre direcionado para o atraente
campo da plenitude, pode tornar-se um estado mórbido, diante de uma tentativa
de querer evadir-se da incompletude.
Tal tentativa induz o
indivíduo a buscar fora de si mesmo uma nova roupagem para sua alienação existencial, de forma
egoística, na busca da almejada plenitude. Estamos constantemente em busca de
uma nova versão de nós mesmos. Afinal, como podemos ter uma vida plena,
criativa e dinâmica que desejamos?
Eu, pessoalmente,
já fui acometido, inúmeras vezes, por uma sensação de existirem duas pessoas habitando dentro de mim, uma parte em oposição à outra.
Pior ainda, mesmo em oposição,, uma parte permanecia procurando outra parte perdida para
reconciliação. Mas, tal procura era sempre em vão. Por essa razão, sempre procurei encontrar,
dentro de mim mesmo, algo faltante. Nunca havia pensado que dentro de mim
existiria outro de mim mesmo, ao qual eu era mais apegado sem o saber.
Esse algo me
parecia uma espécie de vazio que precisava ser preenchido pela pluralidade de
bens e valores agregados no mundo exterior. Existia em mim um
pressentimento de que era muito temerário pesquisar o desconhecido e, ao mesmo
tempo, colocar em duvida o já sabido e ainda não conhecido.
Enquanto mais
procurava explicação para tal estranheza, mais ampliava a dimensão do
desconhecido. No entanto, sempre manifestava-se dentro de mim algo que eu
buscava incessantemente, mas não encontrável. Algo que parecia não ter princípio
e nem fim, semelhante ao "trem da esperança" que anda viajando sem estação de chegada. Permanecer na
ignorância sempre era a solução. mais cômoda.
A Filósofa Marilena Chauí, em Convite à Filosofia, revela-nos que:
A Filósofa Marilena Chauí, em Convite à Filosofia, revela-nos que:
- "Ignorar é não saber alguma coisa. A ignorância pode ser tão profunda que sequer a percebemos ou a sentimos, isto é, não sabemos que não sabemos, não sabemos que ignoramos. Em geral, o estado de ignorância se mantém em nós enquanto as crenças e opiniões que possuímos para viver e agir no mundo se conservam como eficazes e úteis, de modo que não temos nenhum motivo para duvidar delas, nenhum motivo para desconfiar delas e, consequentemente, achamos que sabemos tudo o que há para saber [...]. A incerteza é diferente da ignorância porque, na incerteza, descobrimos que somos ignorantes, que nossas crenças e opiniões parecem não dar conta da realidade, que há falhas naquilo em que acreditamos e que, durante muito tempo, nos serviu como referência para pensar e agir. Na incerteza não sabemos o que pensar, o que dizer ou o que fazer em certas situações ou diante de certas coisas, pessoas, fatos, etc. Temos dúvidas, ficamos cheios de perplexidade e somos tomados pela insegurança"..
Por outro
lado, eu era dominado por um chamamento compulsivo para o escapismo ou
quietismo para permanecer na zona de conforto sem nada querer arriscar na
direção do desconhecido. Para tanto, era necessário negar a realidade, evitando
o confronto com a minha própria verdade inconsciente que , por estrutura, sempre resistia à significação.
- "Quando digo o que eu sou, de alguma forma, eu o faço para também dizer o que não sou. O não ser está no avesso do ser, assim como o tecido só é tecido porque há um avesso que o nega, não sendo outro, mas complementando-o. O que não sou também é uma forma de ser. Eu sou eu e meus avessos [..]. Eu procuro por mim tal qual o artesão procura sua arte escondida nos excessos da matéria bruta de seu mármore. [...].Que mundo é este que facilita os encontros e nos torna estranhos a nós mesmos”. (Padre Fábio de Melo)
Realmente,
eu nem sequer imaginava que existia dentro de mim uma instância inconsciente
que sequestrava o meu SER e me
colocava numa masmorra psicológica, cobrando-me um doloroso resgate. Como
prisioneiro, eu era subordinado aos caprichos do sequestrador que comandava os meus sentimentos, as minhas condutas, e o meu modo autônomo de
viver. Jamais poderia imaginar a supremacia dessa obscura autoridade, com
tamanho poder de ingerência e de intrusão na minha condição existencial.Tudo me conduzia para uma intrigante estranheza.
De acordo
com Lacan, os seres humanos não passam de
meros epifenômenos nas sociedades em que pertencem, em razão de ser determinado por um processador cerebral de
informações recebidas dos órgãos sensoriais. de forma aleatória e autônoma..
Em
contrapartida, as emoções tais como: angústia, ansiedade, nostalgia de escolhas
perdidas, sentimentos de culpa, medos, frustrações, privações. etc. Enfim,
perturbações e conflitos intrapsíquicos de toda ordem, que se manifestavam sob
a forma de sintomas psicossomáticos, com intensidades e frequências variáveis,situacionais no tempo.
No entanto, eram
os sintomas que bancavam a minha aparente segurança existencial num contexto de
normalidade, comum aos meus relacionamentos familiares, profissionais e
sociais.
Tais
sintomas, de acordo com a minha estruturação psíquica seguia-se pela via
simbólica ou anatômica para alívio dessas tensões emocionais, pois, como disse
Freud, “o aparelho psíquico não tolera o
desprazer; tem de desviá-lo a todo o custo, e se a percepção da realidade
acarreta desprazer, essa percepção – isto é, a verdade – deve ser
sacrificada”.
No entanto,
para que se possa entender esse processo, a forma como as questões conflitivas
de desprazer são processadas, faz-se necessário a busca do autoconhecimento,
incluindo-se ajuda de profissionais da área da saúde mental.
Quando, pela
primeira vez há 20 anos, procurei um Psicólogo para tratamento psicanalítico, inicialmente, numa lógica matemática eu
levava para cada sessão uma série de textos, argumentos escritos, desenhos
mirabolantes, esquemas mágicos, explicações em cima e de outras explicações,
aporias de definições, etc. O analista sempre me dizia: nada disso me
interessa. Eu quero que você traga-me,
apenas, o seu inconsciente. Na verdade, eu já tinha noção da existência do inconsciente, como conteúdo mental e anatômico, mas desconhecia que ele era a minha verdade.
A causa
primeira de qualquer pessoa é a sua condição de filho, fruto do desejo de
seus pais. Isso ele irá carregar para o resto de sua vida. De início, o filho é
objeto de desejo dos pais. O desejo é necessariamente carência.
A relação com o mundo é de escolhas e perdas de objetos, ou seja, relação
objetal, o que significa que para se constituir como “eu”, a consciência
precisa da alteridade com o que está fora e do exterior que está introjetado dentro de si, pela linguagem.
De acordo
com Lacan, o corpo é sobrescrito//superado pela linguagem. O corpo é subjugado; “a
letra mata” o corpo. O vivente – nossa natureza animal – morre e a linguagem
surge em seu lugar, revivendo-nos. As diferentes partes do corpo tomam sentidos
determinados pela sociedade e pelas figuras paternas. A coisa real precisa desaparecer para poder ser representada. Dai o escritura mental passa a representar o corpo e o mundo para cada indivíduo. O homem desprovido da linguagem desaparece e o mundo exterior também;
Segundo
Freud, de início o homem só tem de homem o status de animal vivo. Como tal não passa de um ser de
necessidades. Para conquistar a sua identidade, será preciso que se torne ser de desejo, isto é consciência desejante ou
consciência de si.
Essa
relação, apesar de imaginária, é necessária para que os desejos se inscrevam, melhor dizendo: o desejo dos pais e o próprio desejo do filho, pois não há possibilidade da existência da criança sem o olhar desejante da
mãe. Mas a criança pode ver os olhos dela e, no entanto não consegue entender o seu
olhar e nem sequer qual o seu desejo, o que se torna enigmático, uma vez que se
trata de consciência de objeto, mas não é consciência de si mesma. Absorvida na
contemplação do objeto, ela nele se perde e nele se aliena. Ela é,
literalmente, uma consciência sem eu.
Como o
desejo humano é não natural, ele só pode desejar outro desejo que também é não
natural. O desejo humano é, pois desejo de outro desejo.
É o desejo
que vai operar a oposição entre consciência-de-outra-coisa e consciência-de-si,
entre o não eu e o eu.
Só há eu no e pelo desejo. O desejo se revela sempre como meu desejo, enquanto
o conhecimento revela o objeto, o desejo revela o eu.
Por isso
mesmo o ser humano é indubitavelmente um ser
de desejo que deseja o desejo do outro, mas sem ter o controle do outro desejo. Tudo isso torna o desejo do sujeito enigmático e sem controle. Querer satisfação plena todo mundo quer. Mas abrir mão de
si pelo outro é impossível e pouco recomendável. O justo seria tentar ser fiel
ao próprio desejo, mas tomando um certo cuidado com a forma de lidar com isso.
Afinal orientar por uma ética mais solidária talvez seja a saída. Tentar levar
as coisas de tal modo que, sendo fiéis ao próprio desejo, não esqueçamos de
que o outro existe e que esta alteridade deve ser considerada e respeitada. Isso é
difícil, mas não impossível. Afinal, que graça teria se na vida fosse tudo
muito fácil?
Finalizando,
o que o sujeito do desejo inconsciente é levado a descobrir? Inicialmente, como
diz Lacan, que “não existe outro bem a não
ser o que pode servir para pagar o preço pelo acesso ao desejo”. (Dicionário
Psicanalítico Larousse – Artes Médicas).
CAIXA PRETA Roberto Lanza
13/08/2015
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