quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O LUGAR DO SER


Desenho de Roberto Lanza

Existem pessoas que percorrem o mundo Inteiro  na procura de si mesmo (André Luiz). 

O homem é um animal, consciente de si mesmo, que transcende toda outra forma de vida, mesmo estando na natureza, sendo obrigado a aceitar seus mandamentos e contingências. Ele transcende a natureza porque lhe falta a inconsciência que torna o animal uma parte uno com a natureza,  residência de o próprio SER.
Como na natureza tudo se repete sem qualquer deliberação, o homem se rebela e se defronta com o assustador conflito de ser prisioneiro da natureza e, no entanto, ser livre em seus pensamentos e, ao mesmo tempo, ser uma “curiosidade” da natureza, não estando cá e nem lá. A consciência de si mesmo tornou-o um estranho no mundo em que vive. Sendo um ser apartado da natureza, ele busca fora de si mesmo o resgate da sua própria essência. .   .
Dentro do enfoque antropológico, ao fazer uma ponderação  sobre constatações e sentimentos de uma grande massa delirante da população humana terrena, podemos extratar um profundo sentimento de incompletude. Desta forma, o ser humano é profundamente afetado pela sensação de incompletude. 
O desejo de livrar-se do desconforto provocado por tal extrato, sempre direcionado para o atraente campo da plenitude, pode tornar-se um estado mórbido, diante de uma tentativa de querer evadir-se da incompletude. 
Tal tentativa induz o indivíduo a buscar fora de si mesmo uma nova roupagem para sua alienação existencial, de forma egoística, na busca da almejada plenitude. Estamos constantemente em busca de uma nova versão de nós mesmos. Afinal, como podemos ter uma vida plena, criativa e dinâmica que desejamos?
Eu, pessoalmente, já fui acometido, inúmeras vezes, por uma sensação de existirem duas pessoas habitando dentro de mim, uma parte em oposição à outra. Pior ainda, mesmo em oposição,, uma parte permanecia procurando outra parte perdida para reconciliação. Mas, tal procura era sempre em vão.  Por essa razão, sempre procurei encontrar, dentro de mim mesmo, algo faltante. Nunca havia pensado que dentro de mim existiria outro de mim mesmo, ao qual eu era mais apegado sem o saber. 
Esse algo me parecia uma espécie de vazio que precisava ser preenchido pela pluralidade de bens e valores agregados no mundo exterior. Existia em mim um pressentimento de que era muito temerário pesquisar o desconhecido e, ao mesmo tempo, colocar em duvida o já sabido e ainda não conhecido.  
Enquanto mais procurava explicação para tal estranheza, mais ampliava a dimensão  do desconhecido. No entanto, sempre manifestava-se dentro de mim algo que eu buscava incessantemente, mas não encontrável. Algo que parecia não ter princípio e nem fim, semelhante ao "trem da esperança" que anda viajando sem estação de chegada. Permanecer na ignorância sempre era a solução. mais cômoda.   
A Filósofa Marilena Chauí, em Convite à Filosofia, revela-nos que: 
  • "Ignorar é não saber alguma coisa. A ignorância pode ser tão profunda que sequer a percebemos ou a sentimos, isto é, não sabemos que não sabemos, não sabemos que ignoramos. Em geral, o estado de ignorância se mantém em nós enquanto as crenças e opiniões que possuímos para viver e agir no mundo se conservam como eficazes e úteis, de modo que não temos nenhum motivo para duvidar delas, nenhum motivo para desconfiar delas e, consequentemente, achamos que sabemos tudo o que há para saber [...]. A incerteza é diferente da ignorância porque, na incerteza, descobrimos que somos ignorantes, que nossas crenças e opiniões parecem não dar conta da realidade, que há falhas naquilo em que acreditamos e que, durante muito tempo, nos serviu como referência para pensar e agir. Na incerteza não sabemos o que pensar, o que dizer ou o que fazer em certas situações ou diante de certas coisas, pessoas, fatos, etc. Temos dúvidas, ficamos cheios de perplexidade e somos tomados pela insegurança"..
Por outro lado, eu era dominado por um chamamento compulsivo para o escapismo ou quietismo para permanecer na zona de conforto sem nada querer arriscar na direção do desconhecido. Para tanto, era necessário negar a realidade, evitando o confronto com a minha própria verdade inconsciente que ,  por estrutura, sempre resistia à significação.
  • "Quando digo o que eu sou, de alguma forma, eu o faço para também dizer o que não sou. O não ser está no avesso do ser, assim como o tecido só é tecido porque há um avesso que o nega, não sendo outro, mas complementando-o. O que não sou também é uma forma de ser. Eu sou eu e meus avessos [..]. Eu procuro por mim tal qual o artesão procura sua arte escondida nos excessos da matéria bruta de seu mármore. [...].Que mundo é este que facilita os encontros e nos torna estranhos a nós mesmos”. (Padre Fábio de Melo) 
Realmente, eu nem sequer imaginava que existia dentro de mim uma instância inconsciente que sequestrava o meu SER e me colocava numa masmorra psicológica, cobrando-me um doloroso resgate. Como prisioneiro, eu era subordinado aos caprichos do sequestrador que comandava os meus sentimentos, as  minhas condutas, e o meu  modo autônomo de viver. Jamais poderia imaginar a supremacia dessa obscura autoridade, com tamanho poder de ingerência e de intrusão na minha condição existencial.Tudo me conduzia para uma intrigante estranheza. 
De acordo com Lacan, os seres  humanos não passam de meros epifenômenos nas sociedades em que pertencem, em razão de ser determinado por um processador  cerebral de informações recebidas dos órgãos sensoriais. de forma aleatória e autônoma..
Em contrapartida, as emoções tais como: angústia, ansiedade, nostalgia de escolhas perdidas, sentimentos de culpa, medos, frustrações, privações. etc. Enfim, perturbações e conflitos intrapsíquicos de toda ordem, que se manifestavam sob a forma de sintomas psicossomáticos, com intensidades e frequências variáveis,situacionais no tempo. 
No entanto, eram os sintomas que bancavam a minha aparente segurança existencial num contexto de normalidade, comum aos  meus relacionamentos familiares, profissionais e sociais. 
Tais sintomas, de acordo com a minha estruturação psíquica seguia-se pela via simbólica ou anatômica para alívio dessas tensões emocionais, pois, como disse Freud, “o aparelho psíquico não tolera o desprazer; tem de desviá-lo a todo o custo, e se a percepção da realidade acarreta desprazer, essa percepção – isto é, a verdade – deve ser sacrificada”. 
No entanto, para que se possa entender esse processo, a forma como as questões conflitivas de desprazer são processadas, faz-se necessário a busca do autoconhecimento, incluindo-se ajuda de profissionais da área da saúde mental. 
Quando, pela primeira vez há 20 anos, procurei um Psicólogo para tratamento psicanalítico, inicialmente, numa lógica matemática eu levava para cada sessão uma série de textos, argumentos escritos, desenhos mirabolantes, esquemas mágicos, explicações em cima e de outras explicações, aporias de definições, etc. O analista sempre me dizia: nada disso me interessa. Eu quero que você  traga-me, apenas, o seu inconsciente. Na verdade, eu já tinha noção  da existência do inconsciente,  como conteúdo mental e  anatômico, mas desconhecia que ele era a minha verdade.
A causa primeira de qualquer pessoa é a sua condição de filho, fruto do desejo de seus pais. Isso ele irá carregar para o resto de sua vida. De início, o filho é objeto de desejo dos pais. O desejo é necessariamente carência. A relação com o mundo é de escolhas e perdas de objetos, ou seja, relação objetal, o que significa que para se constituir como “eu”, a consciência precisa da alteridade com o que está fora e do exterior que está introjetado dentro de si, pela linguagem.  
De acordo com Lacan, o corpo é sobrescrito//superado pela linguagem. O corpo é subjugado; “a letra mata” o corpo. O vivente – nossa natureza animal – morre e a linguagem surge em seu lugar, revivendo-nos. As diferentes partes do corpo tomam sentidos determinados pela sociedade e pelas figuras paternas. A coisa real precisa  desaparecer para poder ser representada. Dai o escritura mental passa a representar o corpo e o mundo para cada indivíduo. O homem desprovido da linguagem desaparece e o mundo exterior também;
Segundo Freud, de início o homem só tem de homem o status de animal vivo. Como tal não passa de um ser de necessidades. Para conquistar a sua identidade, será preciso que se torne ser de desejo, isto é consciência desejante ou consciência de si.
Essa relação, apesar de imaginária, é necessária para que os desejos se inscrevam, melhor dizendo: o desejo dos pais e o próprio desejo do filho, pois não há possibilidade da existência da criança sem o olhar desejante da mãe. Mas a criança pode ver os olhos dela e, no entanto não consegue entender o seu olhar e nem sequer qual o seu desejo, o que se torna enigmático, uma vez que se trata de consciência de objeto, mas não é consciência de si mesma. Absorvida na contemplação do objeto, ela nele se perde e nele se aliena. Ela é, literalmente, uma consciência sem eu.
Como o desejo humano é não natural, ele só pode desejar outro desejo que também é não natural. O desejo humano é, pois desejo de outro desejo.
É o desejo que vai operar a oposição entre consciência-de-outra-coisa e consciência-de-si, entre o não eu e o eu. Só há eu no e pelo desejo. O desejo se revela sempre como meu desejo, enquanto o conhecimento revela o objeto, o desejo revela o eu.
Por isso mesmo o ser humano é indubitavelmente um ser de desejo que deseja o desejo do outro, mas sem ter o controle do outro desejo. Tudo isso torna o desejo do sujeito enigmático e sem controle. Querer satisfação plena todo mundo quer. Mas abrir mão de si pelo outro é impossível e pouco recomendável. O justo seria tentar ser fiel ao próprio desejo, mas tomando um certo cuidado com a forma de lidar com isso. Afinal orientar por uma ética mais solidária talvez seja a saída. Tentar levar as coisas de tal modo que, sendo fiéis ao próprio desejo, não esqueçamos de  que o outro existe e que esta alteridade deve ser considerada e respeitada. Isso é difícil, mas não impossível. Afinal, que graça teria se na vida fosse tudo muito fácil?
Finalizando, o que o sujeito do desejo inconsciente é levado a descobrir? Inicialmente, como diz Lacan, que “não existe outro bem a não ser o que pode servir para pagar o preço pelo acesso ao desejo”. (Dicionário Psicanalítico Larousse – Artes Médicas).

CAIXA PRETA Roberto Lanza
13/08/2015




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