HORIZONTE DA
INCOMPLETUDE
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“Vemos as coisas tal como se afiguram à nossa cabeça.
Portanto, precisamos conhecer a nossa cabeça”.
No âmago do ser humano há uma fonte
que nutre a fantasia de que em algum lugar alguém está nos esperando sem nem
saber que a gente existe e, no entanto, pensando em nós com se fôssemos “almas
gêmeas”.
Na realidade, o que esperamos deste
encontro? As artes, as músicas, os mitos, as lendas, etc. parecem que vêm
atestando tal condição, de forma metafórica Somos realmente peregrinos na busca
de algo intimamente relacionado com a plenitude, para nos sentirmos completos e
inteiros.
Infeliz daquele que ignora os riscos
e as possibilidade de encontrar pela vida alguém, acreditando que haverá
plenitude desse encontro. Haverá sim um encontro, mas será de duas faltas. A
sua e a do outro. Se não for percebido isso o perigo é maior que da ilusão e
vem logo a desilusão..
Estar inteiro é assumir-se como ser
humano saudavelmente independente. Seja, portanto, um ser inteiro antes de ser
apenas a metade de um casal. Eu gosto de dizer que casado é feito de dois
inteiros e não de duas metades. Somente um ser inteiro pode dizer que ama e é
amado. Por que ser apenas metade se você é um individuo e seu parceiro (a)
também é outro? Se Deus nos fez originais, por que insistirmos em sermos cópias?
Afinal, querer satisfação plena todo
mundo quer. Mas abrir mão de si pelo outro é impossível e pouco recomendável. O
justo seria tentar ser fiel ao próprio desejo, mas deixando de ter certo
cuidado com a forma de lidar com isso. Afinal orientar por uma ética mais
solidária talvez seja a saída. Tentar levar as coisas de tal modo que, sendo
fieis ao próprio desejo, não esqueçamos que o outro existe e que esta
alteridade deve ser considerada. Isso é difícil, mas não impossível. Afinal,
que graça teria se na vida fosse tudo muito fácil?
“É difícil ao homem enfrentar-se e
encontrar-se a si mesmo. Ávido de exterioridade, sua avidez o conduz ao Vazio.
E, fugindo ele de si mesmo encontra-se com a tortura da imensidão de coisas que
se abrangem nos sentido”. (Da Ordem 2,10,30).
E ainda:
“Por que se dispersa fora? Começou a entregar seu coração ao exterior e
perdeu-se a si mesmo. Quando o homem, por amor a si mesmo, entrega seu coração
às coisas de fora, perde-se na fluidez dessas coisas e, de certo modo, dissipa
prodigamente suas forças. Esvazia-se de si. Despedaça-se”. (Sermões 96,2)
Como
podemos entender tais pensamentos filosóficos?
“Ao Ego, será sempre impossível a plenitude! Como
“filho legítimo” da Grande Separação, do surgimento do “eu separado”, do Adão
(que vem do Sânscrito: adhi – aham – “primeiro eu”), sempre lhe faltara algo –
pois ele sofre a perda da identidade com o todo, desde que se diferenciou dessa
matriz primordial, ontológica, representada inicialmente no psiquismo
individual pelo útero materno e, logo após, pela relação simbiótica e edipiana
com a figura materna. E em busca desse Algo ele tece desde o nascimento uma teia
de incontáveis desejos na esperança inconsciente de sustentar-se sobre o imenso
vazio existencial, num desespero inaudível de busca de sobrevivência e auto
justificativa para o devir dessa existência.
Ele (o ego) se esforça laboriosamente através da vigília
e do sono para satisfazer a cada um dos seus desejos, ora justificando-os como
instintos naturais e intransponíveis, ora vestindo-os em trajes mais nobres,
como algum bem social moral, cientifico ou até mesmo espiritual”. (Professor Afonso Celso L.
Wanderley).
Por outro lado, existe uma espécie de lei inscrita em cada ser: na qual ele é feito para a alegria e não para o sofrimento. Viver é uma miscelânea de sentimentos, como dores, alegrias, tristezas, prazeres, euforias, amores, felicidades, tudo sem parâmetros de balizamento. Nada disso é coletivo (é pessoal) e nem sequer transferível. Daí a felicidade tornar-se um episódio transitório e repetitivo.
Para grande maioria das pessoas, a
vida é um processo de gozar o possível do corpo, reservando-se para a luz da fé
as ocasiões de sofrimento inadiáveis. Nossa
verdadeira natureza é a paz; a verdade; o amor; a felicidade;... São as crenças
cegas que fazem nossa vida infeliz.
Neste sentido, vejamos o que diz o
poeta Vicente de Carvalho (1866-1924) em seu Poema Velho Tema, no qual ele
exprime essa arrigada condição humana: a incapacidade de sermos felizes por não
valorizarmos o que a vida nos oferece.
Só a leve esperança, em toda vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada.
Nem é mais a existência, resumida.
Que uma grande esperança malograda
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
È uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda vida
Essa felicidade que supomos,
Arvore milagrosa que sonhamos,
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde estamos.
Felicidade, árvore frondosa de dourados pomos. Existe, sim, mas nós nunca a encontramos porque ela está sempre apenas onde nós a pomos, e nunca a pomos onde nós estamos.
CAIXA PRETA Roberto Lanza
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