quinta-feira, 16 de novembro de 2017


HORIZONTE DA INCOMPLETUDE
 
 Assim dizia o filósofo (desconhecido):

“Vemos as coisas tal como se afiguram à nossa cabeça. Portanto, precisamos conhecer a nossa cabeça”.

No âmago do ser humano há uma fonte que nutre a fantasia de que em algum lugar alguém está nos esperando sem nem saber que a gente existe e, no entanto, pensando em nós com se fôssemos “almas gêmeas”.

Na realidade, o que esperamos deste encontro? As artes, as músicas, os mitos, as lendas, etc. parecem que vêm atestando tal condição, de forma metafórica Somos realmente peregrinos na busca de algo intimamente relacionado com a plenitude, para nos sentirmos completos e inteiros.

Infeliz daquele que ignora os riscos e as possibilidade de encontrar pela vida alguém, acreditando que haverá plenitude desse encontro. Haverá sim um encontro, mas será de duas faltas. A sua e a do outro. Se não for percebido isso o perigo é maior que da ilusão e vem logo a desilusão..

Estar inteiro é assumir-se como ser humano saudavelmente independente. Seja, portanto, um ser inteiro antes de ser apenas a metade de um casal. Eu gosto de dizer que casado é feito de dois inteiros e não de duas metades. Somente um ser inteiro pode dizer que ama e é amado. Por que ser apenas metade se você é um individuo e seu parceiro (a) também é outro? Se Deus nos fez originais, por que insistirmos em sermos cópias?

Afinal, querer satisfação plena todo mundo quer. Mas abrir mão de si pelo outro é impossível e pouco recomendável. O justo seria tentar ser fiel ao próprio desejo, mas deixando de ter certo cuidado com a forma de lidar com isso. Afinal orientar por uma ética mais solidária talvez seja a saída. Tentar levar as coisas de tal modo que, sendo fieis ao próprio desejo, não esqueçamos que o outro existe e que esta alteridade deve ser considerada. Isso é difícil, mas não impossível. Afinal, que graça teria se na vida fosse tudo muito fácil?

“É difícil ao homem enfrentar-se e encontrar-se a si mesmo. Ávido de exterioridade, sua avidez o conduz ao Vazio. E, fugindo ele de si mesmo encontra-se com a tortura da imensidão de coisas que se abrangem nos sentido”. (Da Ordem 2,10,30).
 
E ainda:

“Por que se dispersa fora? Começou a entregar seu coração ao exterior e perdeu-se a si mesmo. Quando o homem, por amor a si mesmo, entrega seu coração às coisas de fora, perde-se na fluidez dessas coisas e, de certo modo, dissipa prodigamente suas forças. Esvazia-se de si. Despedaça-se”. (Sermões 96,2)

Como podemos entender tais pensamentos filosóficos?

“Ao Ego, será sempre impossível a plenitude! Como “filho legítimo” da Grande Separação, do surgimento do “eu separado”, do Adão (que vem do Sânscrito: adhi – aham – “primeiro eu”), sempre lhe faltara algo – pois ele sofre a perda da identidade com o todo, desde que se diferenciou dessa matriz primordial, ontológica, representada inicialmente no psiquismo individual pelo útero materno e, logo após, pela relação simbiótica e edipiana com a figura materna. E em busca desse Algo ele tece desde o nascimento uma teia de incontáveis desejos na esperança inconsciente de sustentar-se sobre o imenso vazio existencial, num desespero inaudível de busca de sobrevivência e auto justificativa para o devir dessa existência.

Ele (o ego) se esforça laboriosamente através da vigília e do sono para satisfazer a cada um dos seus desejos, ora justificando-os como instintos naturais e intransponíveis, ora vestindo-os em trajes mais nobres, como algum bem social  moral, cientifico ou até mesmo espiritual”. (Professor Afonso Celso L. Wanderley).

Por outro lado, existe uma espécie de lei inscrita em cada ser: na qual ele é feito para a alegria e não para o sofrimento. Viver é uma miscelânea de sentimentos, como dores, alegrias, tristezas, prazeres, euforias, amores, felicidades, tudo sem parâmetros de balizamento. Nada disso é coletivo (é pessoal) e nem sequer transferível. Daí a felicidade tornar-se um episódio transitório e repetitivo.

Para grande maioria das pessoas, a vida é um processo de gozar o possível do corpo, reservando-se para a luz da fé as ocasiões de sofrimento inadiáveis. Nossa verdadeira natureza é a paz; a verdade; o amor; a felicidade;... São as crenças cegas que fazem nossa vida infeliz.
 
Neste sentido, vejamos o que diz o poeta Vicente de Carvalho (1866-1924) em seu Poema Velho Tema, no qual ele exprime essa arrigada condição humana: a incapacidade de sermos felizes por não valorizarmos o que a vida nos oferece.  
 
           Só a leve esperança, em toda vida,
           Disfarça a pena de viver, mais nada.
           Nem é mais a existência, resumida.
           Que uma grande esperança malograda
 
           O eterno sonho da alma desterrada,
           Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
           È uma hora feliz, sempre adiada
           E que não chega nunca em toda vida
 
           Essa felicidade que supomos,
           Arvore milagrosa que sonhamos,
           Toda arreada de dourados pomos,
           Existe, sim: mas nós não a alcançamos
           Porque está sempre apenas onde a pomos
           E nunca a pomos onde estamos.

           Felicidade, árvore frondosa de dourados pomos. Existe, sim, mas nós nunca a encontramos porque ela está sempre apenas onde nós a pomos, e nunca a pomos onde nós estamos.

CAIXA PRETA Roberto Lanza
 

 

 

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