domingo, 15 de novembro de 2015

ENCONTROS E DESENCONTROS



No âmago do ser humano há uma fonte que nutre a fantasia de que em algum lugar alguém está nos esperando sem nem saber que a gente existe e, no entanto, pensando em nós com se fôssemos “almas gêmeas”.
Na realidade, o que esperamos deste encontro? As artes, as músicas, os mitos, as lendas, etc. parecem que vêm atestando tal condição. Somos realmente peregrinos na busca de algo intimamente relacionado com a plenitude, para nos sentirmos completos e inteiros.
Infeliz daquele que ignora os riscos e as possibilidade de encontrar pela vida alguém, acreditando que haverá plenitude desse encontro. Haverá sim um encontro, mas será de duas faltas. A sua e a do outro. Se não for percebido isso o perigo é maior que da ilusão e vem logo a desilusão..
Estar inteiro é assumir-se como ser humano saudavelmente independente. Seja, portanto, um ser inteiro antes de ser apenas a metade de um casal. Eu gosto de dizer que casado é feito de dois inteiros e não de duas metades. Somente um ser inteiro pode dizer que ama e é amado. Por que ser apenas metade se você é um individuo e seu parceiro (a) também é outro?
Afinal, querer satisfação plena todo mundo quer. Mas abrir mão de si pelo outro é impossível e pouco recomendável. O justo seria tentar ser fiel ao próprio desejo, mas deixando de ter certo cuidado com a forma de lidar com isso. Afinal orientar por uma ética mais solidária talvez seja a saída. Tentar levar as coisas de tal modo que, sendo fieis ao próprio desejo, não esqueçamos que o outro existe e que esta alteridade deve ser considerada. Isso é difícil, mas não impossível. Afinal, que graça teria se na vida fosse tudo muito fácil?
“É difícil ao homem enfrentar-se e encontrar-se a si mesmo. Avido de exterioridade, sua avidez o conduz ao Vazio. E, fugindo ele de si mesmo encontra-se com a tortura da imensidão de coisas que se abrangem nos sentido”. (Da Ordem 2,10,30).
E ainda:
“Por que se dispersa fora? Começou a entregar seu coração ao exterior e perdeu-se a si mesmo. Quando o homem, por amor a si mesmo, entrega seu coração às coisas de fora, perde-se na fluidez dessas coisas e, de certo modo, dissipa prodigamente suas forças. Esvazia-se de si. Despedaça-se”. (Sermões 96,2)
Como podemos entender tais pensamentos filosóficos?
“Ao Ego, será sempre impossível a plenitude! Como “filho legítimo” da Grande Separação, do surgimento do “eu separado”, do Adão (que vem do Sânscrito: adhi – aham – “primeiro eu”), sempre lhe faltara algo – pois ele sofre a perda da identidade com o todo, desde que se diferenciou dessa matriz primordial, ontológica, representada inicialmente no psiquismo individual pelo útero materno e, logo após, pela relação simbiótica e edipiana com a figura materna. E em busca desse Algo ele tece desde o nascimento uma teia de incontáveis desejos na esperança inconsciente de sustentar-se sobre o imenso vazio existencial, num desespero inaudível de busca de sobrevivência e auto justificativa para o devir dessa existência.
Ele (o ego) se esforça laboriosamente através da vigília e do sono para satisfazer a cada um dos seus desejos, ora justificando-os como instintos naturais e intransponíveis, ora vestindo-os em trajes mais nobres, como algum bem social  moral, cientifico ou até mesmo espiritual”.(Professor Afonso Celso L. Wanderley.)
Por outro lado, existe uma espécie de lei inscrita em cada ser: na qual ele é feito para a alegria e não para o sofrimento. Viver é uma miscelânea de sentimento, como dor, alegrias, tristezas, prazeres, euforia, amor, felicidade, sem parâmetros de balizamento. Nada disso é coletivo (é pessoal) e nem sequer transferível. Daí a felicidade tornar-se um episódio transitório e repetitivo.
Para grande maioria das pessoas, a vida é um processo de gozar o possível do corpo, reservando-se para a luz da fé as ocasiões de sofrimento inadiáveis. Nossa verdadeira natureza é a paz; a verdade; o amor; a felicidade;... São as crenças cegas que fazem nossa vida infeliz.
Neste sentido, vejamos o que diz o poeta Vicente de Carvalho (1866-1924) em seu Poema Velho Tema, no qual ele exprime essa arrigada condição humana: a incapacidade de sermos felizes por não valorizarmos o que a vida nos oferece.  


Só a leve esperança, em toda vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada.
Nem é mais a existência, resumida.
Que uma grande esperança malograda
.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansioa e embevecida,
È uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda vida

Essa felicidade que supomos,
Arvore milagrosa que sonhamos,
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde estamos.

Felicidade, árvore frondosa de dourados pomos. Existe, sim, mas nós nunca a encontramos porque ela está sempre apenas onde nós a pomos, e nunca a pomos onde nós estamos.

VIVÊNCIAS EXPERENCIAIS



Eu tenho motivos bastante sugestivos para que este texto chegue até você. A razão é muito simples: Eu vivi, mais ou menos durante 60 anos, imerso numa espécie de “aquário”, no qual o peixe é o ultimo a perceber a existência da água”.
Trata-se de uma metáfora de vida, própria da maioria dos seres humanos, os quais vivem na civilização a que pertencem num desconhecimento crônico do próprio Ser e, pior ainda, numa crescente despossessão de si mesmo.
É verdade sim, pelas minhas revelações vivenciais. Tal constatação é real e não muito diferente da dos meus semelhantes que fazem parte da minha história singular.
Quando, pela primeira vez há mais de 20 anos, procurei um Psicólogo para tratamento psicanalítico, a cada sessão eu elaborava uma série de textos escritos, explicações e mais explicações, esquemas e desenhos mirabolantes, aporias de definições e outros argumentos, a fim de orientar o psicanalista. Ele simplesmente me dizia: nada disso me interessa!. Eu quero apenas que você me traga o seu inconsciente. Na época, eu nem sequer imaginava o que significava o verdadeiro inconsciente, bem como o seu poder de influência.
Gradativamente fui compreendendo que tudo que eu tramava eram simplesmente boicotes do meu ego, como mecanismo de defesa para encobrir a minha verdade inconsciente. Tudo para mim era muito enigmático e doloroso.
Ninguém escapa de ter que enfrentar uma verdade inconsciente traumática, insuportável para o eu (Ego) consciente e ter que aprender a conviver com ela. Jung dizia: “o homem somente encontrará a paz quando consciente e inconsciente aprenderem a conviver em harmonia”.
O inconsciente não é algo que se oferece de forma benevolente, pelo contrario. é algo que teima em se ocultar.  Os desígnios conscientes não são capazes de elucidar os enigmas presentes no inconsciente, que se manifestam dissimuladamente nos sonhos, nos atos falhos e nas lacunas do discurso consciente.  
No século passado, Freud desenvolveu a ideia de três humilhações sucessivas sofridas pelo homem. A primeira privou-nos do lugar central do Universo, quando Copérnico demonstrou que a Terra gira ao redor do Sol. Em seguida Darwin demonstrou que somos descendentes dos primatas, em razão da evolução cega, desalojando-nos do lugar de honra entre os seres vivos. Finalmente, Freud descobriu a predominância do inconsciente em processos psíquicos, atestando que “o eu não é senhor em sua própria casa”
Isso acontece porque a verdade do sujeito acha-se aprisionada numa velha palavra, palavra essa que sugere o não ser a si mesmo (alienação).
Pelo fato da consciência do homem estar desperta, a ciência define o homem como o observador, ou seja: a capacidade de observar a si mesmo. Portanto, é um ser de potencialidades desprovido de “bola de cristal”.
Nos reinos inferiores ao homem, é dada à forma material a capacidade de evoluir; no reino humano, pelo contrário, é a consciência que cresce, se desenvolve e se expande, revelando-se aos poucos com crescente capacidade de reflexão, de observação e de percepção consciente.
Se for aceito o que foi dito, aos poucos será percebida que a verdadeira natureza do ser humano está oculta profundamente dentro dele. Ela é como uma semente que deve se abrir, germinar e crescer por meio das experiências da vida mundana.
Um dos maiores preceitos da psicanálise é a recusa em tamponar a brecha que existe entre o sujeito e a sua verdade. Daí, um poderoso fomento para o desenvolvimento do senso crítico.
O resgate do ser de qualquer paciente, necessariamente, terá que passar por um longo e sinuoso percurso para o processo de ressignificação do verdadeiro sentido da vida, descortinando novos horizontes e abrindo a vida para a criação.  Certamente, não será uma tarefa fácil; pelo contrário, frequentemente se mostrarão difíceis e dolorosas.
Podemos sugerir que o verdadeiro objetivo da vida humana é a evolução da consciência, que no homem se individualiza e se torna “consciência de si”. Por meio do autoconhecimento, o homem descobre sua verdadeira natureza e sua origem divina.
È oportuno descrever a seguinte citação:

“Declara-se que o homem é uma criatura que está em busca constante de si mesmo – uma criatura que, em todos os momentos de sua existência, deve examinar e escrutinar as condições da sua existência. Nesse escrutínio, nessa atitude crítica para com a vida humana, consiste o real valor da vida humana” (CASSIRER, Emst. Ensaio sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 17)

CAIXA PRETA  Roberto Lanza
15/11/2015