quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A complacência excessiva



            O Senhor Buda disse:
                            “Ensinai-vos a não crer simplesmente porque ouviste, mas, porque, em vossa consciência, acreditais no que ouvistes; agi, então, de conformidade com aquilo em que credes, e copiosamente”.
Doutrina Secreta, III, 401.

Nós seres humanos, temos o hábito de viver uma expectativa de algo misterioso relacionada com um devir. Isto é um sinal de que nada está indo bem conosco. Estamos sempre insatisfeitos, sempre faltando algo que geralmente nos atormenta, deixando-nos desassossegados. Temos ainda, em nosso âmago, uma sensação de que existe algo vivenciado, semelhante a um paraíso perdido. Temos ainda a sensação de que existirem duas pessoas habitando dentro de nós, com propósitos contrários. 
Somos criaturas em perfeita harmonia com a natureza. Cada um de nós traz consigo o material necessário para a realização pessoal. É tolice viver anulando nossas capacidades para valorizarmos as qualidades dos outros. Ninguém é melhor que ninguém, mas às vezes insistimos em acreditar nisso.
 Num mundo onde as imagens ditam os valores das pessoas, corremos o risco de esquecer nosso real valor por não sermos enquadrados nos padrões impostos como ideais. Frequentemente somos assombrados por uma mentalidade baixa que quer nos obrigar a aplaudir as qualidades dos outros e esquecer-se das nossas. Talvez seja por isso que vivem desacreditados da vida: perderam a identidade por querer ser aquilo que não é.
Há um pensamento popular que diz: “Eduque uma criança para ser feliz e não para vencer na vida. Pois assim, ela aprenderá a viver na busca de valores e da verdade, e não na busca de custos para as aquisições culturais, sociais, afetivas e patrimoniais”. Neste último caso, ela se sente excluída do mundo, confundindo coisas com valores e ainda sem referenciais para escolher suas próprias preferências.
É do conhecimento comum, que existem crianças muito amadas e muito protegidas pelos pais e, por outro lado, outras crianças muito maltratadas pelos pais. Na realidade existem diversas modalidades de criação paras as crianças, mas qualquer que seja a modalidade de criação assim influenciará no destino do futuro adulto. Freud dizia: “O adulto nada mais é do que o filho da criança que foi”,
Segundo prega a filosofia, quando crianças, estamos sujeitos à duas decepções:
"A de que os seres, as coisas, os mundos maravilhosos não existem de verdade e a de que os adultos podem dizer falsidades e nos enganar. Essa dupla decepção pode acarretar dois resultados opostos: ou a criança se recusa a sair do mundo imaginário e sofre com a realidade como alguma coisa ruim e hostil a ela; ou, dolorosamente, aceita a distinção, mas também se torna muito atenta e desconfiada diante da palavra dos adultos. Nesse segundo caso, a criança também se coloca na disposição da busca da verdade". (Marilena Chaui. Convite à Filosofia, Unidade 3, Capítulo 1).
Por isso, para mudar comportamentos das pessoas, de forma eficaz e duradoura, primeiramente é preciso mudar as concepções que os fundamentam. Particularmente, para aquelas crianças que, infelizmente, foram “adestradas” para agradar a mãe e aos outros, os fundamentos que determinam suas atitudes e comportamentos são direcionados a depender, durante a existência inteira, das coisas externas, dos outros, em quem, certamente, fundamentara a própria autoestima. Tudo isso em razão de terem que reprimir parcialmente ou negar sua verdadeira natureza, Também, quando adultas, vão continuar a procurar a própria identidade, a realização pessoal, empenhando-se em ser boas a qualquer custo, em ter sucesso, em agradar os outros, para manter boa autoimagem. Tem valor só em função dos outros.
Quando se encontram em situações negativas, perdem todo tipo de força interior. Ao invés de enfrentarem a vida como um desafio, elas sentem-se impotentes, desesperam-se.
Além disso, para essas pessoas, o passado, os sucessos alcançados, a existência inteira vivida, tudo desaparece automaticamente diante do impasse que estão vivendo. Mas, se tiverem talento, podem tornar-se artistas, porque conseguem expressar melhor a própria natureza numa atividade criativa, fantasiosa, melhor que em sua relação com os outros seres humanos.As personalidades complacentes geralmente são: 
Ø    A vida não vai além de um acontecimento infeliz, de fracasso, de um erro;
Ø    Sentem-se só no meio dos outros e estranha a si mesma e aos outros:
Ø    Subestima a si mesma do sucesso, mas valoriza muito os outros;
Ø  Não acreditam que têm individualidade própria;
Ø   Temem provocar sua ira e ofendê-los
Ø  De algum modo, a agressividade foi reprimida da criança;
Essa patologia causa nas pessoas uma condição de serem sempre muito conciliadoras e afetuosas com os outros porque temem contradizê-los.
Geralmente são dotadas de atributos masoquistas de complacência para com os outros. Segundo especialistas da área, à repressão da agressividade, que amealhou na pequena infância em função das suas relações com as figuras materna e paterna. Talvez tenha sido rejeitada ou recusada, mesmo de forma aparente ou por comportamentos de indiferença dos pais, sendo obrigada a obedecer a leis contrárias à sua natureza. Assim, ela cresce odiando a si mesma em razão de ser tolhida a sua própria personalidade.
Em geral, essas pessoas não conseguem enfrentar os outros, não se fazem valer. Essas pessoas sentem necessidade de solidão. Temem os seres humanos. Vivem em autodestruição.
Isso vai criar nelas uma forte fraqueza em relação a eventuais fracassos, traições, inimizades e rejeições. Esses fatos negativos provocam em todas elas à depressão, a ansiedade, a angústia, porém temporariamente. 
No tocante às pessoas complacentes, contudo, caem em estado de depressão profunda, grave por adotarem uma solução regressiva em busca da cura. Essas pessoas geralmente sofrem da Síndrome do Fracasso, identificando-se até com o fracasso de filhos e dos outros. 
Tais pessoas têm como lema: "Eu existo, logo sofro". Vivem a dor de existir em estado puro, conforme atesta a psicanálise. Dor esta que morde a vida e sopra a ferida da existência. 

"Tolerar a vida continua a ser, afinal de contas, o primeiro dever de todos os seres vivos". (FREUD).

CAIXA PRETA Roberto Lanza


Bibliografia: Diversos Pensadores e Psicanalistas famosos, especialmente o Psicanalista Valério Albisetti, em seu livro O VALOR DA SOLIDÃO, Editora Paullus, edição de 1998.

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