quinta-feira, 7 de abril de 2022

 VIAGEM À DIAMANTINA



 

Era uma manhã de sábado,                                     

Viajando para Diamantina.

Eu estava alegre e predestinado

Para uma aventura genuína.

 

Eram bolhas aleatórias

Deslocando-se no ambiente,

Lembrei-me de outras  histórias

Que me iludiram bastante.

 

Era apenas um ignorante

Na aporética da definição.

Mas, algo me despertou doravante, 

Livrando-me da minha indignação.

 

Admirava  colinas verdejantes,

Pés de coqueiros e de bambuzais,

Bem como veredas fascinantes

E outros fenômenos naturais

 

Na minha ingênua fantasia

Ergui castelos de ilusões,

Como parte de uma profecia,

Para evitar quaisquer frustrações.

 

Nesse processo de reciclagem

Em que nada dependia de mim,

Pois se trata de uma passagem

Que já foi, é e sempre será assim.

 

Havia no céu nuvens também,

Que couberam em minha mão,

Em quantas nuvens não cabem

As alegrias de um só coração

 

Pedi Papai Noel felicidade

E ainda não recebi o meu presente.

Certamente, sofre de caducidade

E eu o meu conflito inconsciente.

 

No contexto da modernidade

O jovem leva muita vantagem,

Com disciplina e objetividade,

Ele conquista a sua aprendizagem

 

Com todos alegres e exultantes

Tudo estava em paz e harmonia.

Os professores estavam confiantes Quanto aos desafios da pedagogia

 

Tornei-me adolescente e estudante,

Inclusive de música para violão.

Também fui moleque bastante

Para viver naquela modernização.

 

Quando se trata de atualidade,

Exige uma difícil desconstrução

Daquela velha modernidade,

Parecendo estar na contramão

 

Havia  coordenação competente

Diante duma euforia  confinada,

Numa postura bem condizente,

A turma comportava-se disciplinada.

 

Em volta dos lagos fascinantes,

Eu passeava com o meu violão.

Cantava canções inebriantes

E a nostalgia em forma de canção.

 

Na região dos garimpeiros,

Numa paisagem  antropofisada,

Eu suponho terem sido herdeiros,

De uma real tentação frustrada.

 

Na parada em Sete Lagoas,

Minha querida terra natal,

Revivi lembranças boas

Da minha história original.

 

Fiquei triste de repente

Bastante alhures e resignado

Mesmo com a turma presente,

Toda alegre e feliz ao meu lado

 

Mas, o sol estava  radiante

Até que percebi a natureza,

Apesar da alienação constante,

Apercebi-me com certeza

 

Nasci como toda gente

E como um bebê majestoso,

Sei que fui muito indigente,

Mas num lar demais virtuoso.

 

Com a idéia fixa e ruminante,

Metabolizando minha alienação

Parecia uma coisa ambulante, 

Buscando algures a realização.

 

Nessa singular identificação,

Com a biofilia em evidência

Abri as portas do meu coração

Descortinando nova existência.

 

Cresci com muito amor e afeição

Num lar simples e indulgente.

Como não existe a perfeição,

Fui pirracento e onipotente

 

Em cada parada intermitente,

Ocorriam criatividade e provocação,

Induzindo a minha intimidade

Para a realidade com convicção.

 

Sei que houve uma proeza,

Apreciar tanta beleza,

Bendito seja a natureza

Que nos traz paz e singeleza

 

Tornei-me uma pequena criança

Soltando bolinhas de sabão,

Não conhecia a desesperança

Nem tampouco  desilusão.

 

Avaliava rochas e vegetações,

No campo da geodiversidade

Havia antigas transformações, 

Mantendo o mistério da eternidade.

 

Não preciso ser brilhante,

Nem tampouco  importante,

Basta-me viver feliz a cada instante

Juntamente com o  meu semelhante

 

ROBERTO LANZA

Junho/2005

 


 

PESCARIA – UM PARADOXO

 

 

É muito temerário pesquisar o desconhecido. Mais temerário, ainda, é colocar em dúvida o conhecido.

 

Tudo aquilo que me parece ser  desconhecido é porque faz parte da minha história. As ruas, os lugares por onde eu passo são apenas cenários da minha história. E os lugares por onde eu ainda não passei não existem, mas nada nesses lugares se movimenta, e em cada um desses lugares tudo está parado no tempo, em determinado momento futuro, à espera de que minha história chegue até eles. E os lugares aonde eu nunca irei nunca existirão. E as pessoas que nunca passaram por minha vida nunca nascerão. Enfim, tudo o que existe no mundo existe para a minha história.

 

Por outro lado, o ser humano busca incessantemente dominar a natureza para um melhor controle do futuro visando assegurar a sua eternidade. Mas trata-se de um projeto absurdo dominar a natureza se o próprio homem é também natureza. Afinal, quem dominaria o homem?

 

Muito estranho o que acontece numa pescaria. Ao mesmo tempo em que o pescador, na sua vida cotidiana, vivencia o temor do desconhecido, na pescaria ele é fascinantemente atraído pelo desconhecido. Por isso, pescar em açudes onde os peixes já são conhecidos e de fácil escolha e captura, não há qualquer desafio colocando o homem num desconhecimento crônico de si mesmo.

 

Interessante, também, é que um grupo de pescadores heterogêneos de diferentes origens e de diversas posições e classes sociais se identifica e comunga com os mesmos objetivos, que nada mais são do que cada um encontrando-se com si mesmo, fazendo do grupo uma comum-unidade.

 

Não há dúvida de que a água é a matriz da vida e o cidadão personagem é a matriz dos fantasmas, das discriminações e dos preconceitos.

 

ROBERTO LANZA

Novembro/2003

 

DIVINO DICIONÁRIO

 

Se você está angustiado,

Muito ansioso e solitário,

Não fique desesperado,

Decifre o seu divino dicionário

 

Na busca da falsa perfeição,

Cuidado para não ser partidário,

Pois, será uma vítima da ficção

Que não faz parte do divino dicionário

 

Dentro da ética do desejo

Nunca seja um falsário,

Seja determinado em seu ensejo

Em sintonia com o divino dicionário

 

Na sua naturalidade inconsciente,

Não banque o extraordinário,

Saia da alienação consciente,

Usando bem o divino dicionário.

 

Busque sempre a provoca-ação

Sendo sempre o destinatário,

Se não ocorrer a pró-vocação

Recorra logo ao divino dicionário

 

Se você está doente 

Não fique quieto no berçário,

Acreditando ser suficiente

Esperar milagre do divino dicionário.

 

Jamais ignore a sua história

Ela é sua biografia e seu ideário,

Lá você poderá encontrar a glória

Que nunca falta no divino dicionário.

 

Não seja agradável em demasia,

Nem tampouco perdulário,

Se quiser insistir na teimosia,

Recorra logo ao divino dicionário. 

 

No idílio das exibições

E da egolatria do mostruário,

São vaidades e identificações,

Que maculam o divino dicionário

 

Para viver sem falsidade

Não procure ser visionário, 

Para encontrar a sua identidade,

Recorra sempre ao divino dicionário.

 

Cuidado com a expectativa,

Não seja você o embrionário,

Pois, a ansiedade é destrutiva

E inexistente no divino dicionário

 

Em prol do desejo de realização

Não seja imediatista e involuntário. Sublime a onipotência da pulsão

De acordo com divino dicionário.

 

Se estiver no apogeu da vida,

Cuidado com o imaginário,

Você pode sofrer recaída

Sem recorrer ao divino dicionário.

 

Mesmo em estado de abolia

Você não deve ser reacionário,

Não adianta lutar contra a agonia

Que não existe no divino dicionário.

 

Não permaneça como condenado

Estagnado como um otário.

Se no ninho tudo lhe foi dado

Porque faz parte do divino dicionário.

 

Navegar é sempre necessário

Sendo você mesmo o comissário,

Não insista em ganho secundário,

Pois, a bússula está no dicionário.

 

Os seus desígnios conscientes

Mesmo sendo amigo solidário,

Não elucida os inconvenientes,

Alheios ao divino dicionário.

 

O mundo ainda está inacabado

E a todo instante muda o cenário.

Nesse misterioso processo eternizado

Encontra-se no divino dicionário.

 

Seja esperto na confusão

Dos paradoxos do imaginário,

Torne-se ex- perto da com-fusão

Com o apoio do divino dicionário.

 

Diante da busca persistente,

De aquele ser originário

Surge a verdade consciente,

Decifrando o seu divino dicionário.

 

Você pode ser gente fina

Ou até mesmo milionário,

Não precisa ficar sovina

Alienando-se do divino dicionário.

 

Na frustração da impermanência,

Padecendo no purgatório,

Se você persistir com insistência  

Precisa urgente do divino dicionário.  

 

Observe as abelhas em ação

Movimentando-se no apiário,

Elas produzem mel sem instrução

Por atuação do divino dicionário

 

Na busca da individuação

É preciso ser revolucionário,

Buscando a paz na realização

Apoiando-se no divino dicionário.

 

Quando estiver na prostração

Permanecendo estacionário,

Não fique na procrastinação,

Sem consultar o divino dicionário.

 

Não há vento favorável

Se você não tem itinerário,

Quando tudo ficar insuportável

Veja o que dirá o divino dicionário.

 

O João de Barro é construtor

Da sua casa sem ser empresário,

Mesmo não sendo doutor

Ele usa apenas o divino dicionário

 

Sua história é sua incumbência.

Seja determinado e destemerário,

Apropriando-se dela com urgência

Pois, ela é o seu divino dicionário.

Roberto Lanza

Julho/2005

 

A PRAGA DO ISMO

 

 

Muitas vezes eu cismo

Quase à beira do abismo.

Na inércia do meu imobilismo

Aguardando o infortunismo.

 

Invade-me um terrorismo

No casulo do meu mutismo.

Com meu foco no ilusicionismo

Procrastino o criacionismo.

 

Aí se forma o dualismo

Bem como o antagonismo,

Mesclado de cepticismo

E apegado ao dogmatismo

 

Não me surge o otimismo

Nem tampouco o animismo

Permaneço sem determinismo

No exílio do niilismo.

 

Convivendo com o egoísmo,

Na repetição do infantilismo,

Continuo no mesmismo

Preso ao potencialismo.

 

Na busca do romantismo

Perco-me no fanatismo.

No dissenso do simbolismo

Não me surge o sinergismo

 

Como peregrino do aporismo

Apego-me ao racionalismo,

Mas surge-me o casuísmo,

Aconchegando-me no comodismo.

 

No contexto do fugitismo

Busco algures o pragmatismo,

O que encontro é o pessimismo

E, às vezes, o obsoletismo.

 

De que adianta o egoísmo

Como fruto do narcisismo

Permanecendo no egocentrismo,

Eis aí a praga do ismo.

 

CAIXA PRETA - Roberto Lanza

13/10/2016

 

        A GRAÇA

 

Ganhei a vida de graça,

Pois, não há vida sem graça.

Mas, engraçada é a graça,

Se não consigo viver de graça. .

 

Gosto da graça de graça

Procuro viver sempre com graça.

Mas, se há excesso de graça,

Tudo parece ficar sem graça.

 

A dose certa da graça

É a escassez da graça.

Pois, o excesso de graça,

Deixa a vida sem graça

 

Em matéria de graça

Acho tudo uma graça,

Quando me falta a graça

De graça me volta a graça.

 

Às vezes me falta a graça

E sinto-me mal e sem graça.

Mas, logo que encontro a graça,

Fico estranhando essa nova graça.

 

Para não ficar sem graça

Procuro encontrar outra graça

Mas, diante da nova graça,

A graça fica de novo sem graça.

 

Nasci com a benção da graça

Morrer...! Nem de graça!  

Na inconstância da graça,

Viro um palhaço da graça.

 

Como palhaço da graça

Sou sempre ligado à graça,

Para poder fazer tudo com graça

Busco sempre ser artista da graça

 

Então, tornando-me poeta da graça,

Só faço versos com uita graça.

Mas, engraçada é a arte da graça,

Que não há graça sem a Divina Graça.

 

 

ROBERTO LANZA

Abril/2006