domingo, 15 de novembro de 2015

ENCONTROS E DESENCONTROS



No âmago do ser humano há uma fonte que nutre a fantasia de que em algum lugar alguém está nos esperando sem nem saber que a gente existe e, no entanto, pensando em nós com se fôssemos “almas gêmeas”.
Na realidade, o que esperamos deste encontro? As artes, as músicas, os mitos, as lendas, etc. parecem que vêm atestando tal condição. Somos realmente peregrinos na busca de algo intimamente relacionado com a plenitude, para nos sentirmos completos e inteiros.
Infeliz daquele que ignora os riscos e as possibilidade de encontrar pela vida alguém, acreditando que haverá plenitude desse encontro. Haverá sim um encontro, mas será de duas faltas. A sua e a do outro. Se não for percebido isso o perigo é maior que da ilusão e vem logo a desilusão..
Estar inteiro é assumir-se como ser humano saudavelmente independente. Seja, portanto, um ser inteiro antes de ser apenas a metade de um casal. Eu gosto de dizer que casado é feito de dois inteiros e não de duas metades. Somente um ser inteiro pode dizer que ama e é amado. Por que ser apenas metade se você é um individuo e seu parceiro (a) também é outro?
Afinal, querer satisfação plena todo mundo quer. Mas abrir mão de si pelo outro é impossível e pouco recomendável. O justo seria tentar ser fiel ao próprio desejo, mas deixando de ter certo cuidado com a forma de lidar com isso. Afinal orientar por uma ética mais solidária talvez seja a saída. Tentar levar as coisas de tal modo que, sendo fieis ao próprio desejo, não esqueçamos que o outro existe e que esta alteridade deve ser considerada. Isso é difícil, mas não impossível. Afinal, que graça teria se na vida fosse tudo muito fácil?
“É difícil ao homem enfrentar-se e encontrar-se a si mesmo. Avido de exterioridade, sua avidez o conduz ao Vazio. E, fugindo ele de si mesmo encontra-se com a tortura da imensidão de coisas que se abrangem nos sentido”. (Da Ordem 2,10,30).
E ainda:
“Por que se dispersa fora? Começou a entregar seu coração ao exterior e perdeu-se a si mesmo. Quando o homem, por amor a si mesmo, entrega seu coração às coisas de fora, perde-se na fluidez dessas coisas e, de certo modo, dissipa prodigamente suas forças. Esvazia-se de si. Despedaça-se”. (Sermões 96,2)
Como podemos entender tais pensamentos filosóficos?
“Ao Ego, será sempre impossível a plenitude! Como “filho legítimo” da Grande Separação, do surgimento do “eu separado”, do Adão (que vem do Sânscrito: adhi – aham – “primeiro eu”), sempre lhe faltara algo – pois ele sofre a perda da identidade com o todo, desde que se diferenciou dessa matriz primordial, ontológica, representada inicialmente no psiquismo individual pelo útero materno e, logo após, pela relação simbiótica e edipiana com a figura materna. E em busca desse Algo ele tece desde o nascimento uma teia de incontáveis desejos na esperança inconsciente de sustentar-se sobre o imenso vazio existencial, num desespero inaudível de busca de sobrevivência e auto justificativa para o devir dessa existência.
Ele (o ego) se esforça laboriosamente através da vigília e do sono para satisfazer a cada um dos seus desejos, ora justificando-os como instintos naturais e intransponíveis, ora vestindo-os em trajes mais nobres, como algum bem social  moral, cientifico ou até mesmo espiritual”.(Professor Afonso Celso L. Wanderley.)
Por outro lado, existe uma espécie de lei inscrita em cada ser: na qual ele é feito para a alegria e não para o sofrimento. Viver é uma miscelânea de sentimento, como dor, alegrias, tristezas, prazeres, euforia, amor, felicidade, sem parâmetros de balizamento. Nada disso é coletivo (é pessoal) e nem sequer transferível. Daí a felicidade tornar-se um episódio transitório e repetitivo.
Para grande maioria das pessoas, a vida é um processo de gozar o possível do corpo, reservando-se para a luz da fé as ocasiões de sofrimento inadiáveis. Nossa verdadeira natureza é a paz; a verdade; o amor; a felicidade;... São as crenças cegas que fazem nossa vida infeliz.
Neste sentido, vejamos o que diz o poeta Vicente de Carvalho (1866-1924) em seu Poema Velho Tema, no qual ele exprime essa arrigada condição humana: a incapacidade de sermos felizes por não valorizarmos o que a vida nos oferece.  


Só a leve esperança, em toda vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada.
Nem é mais a existência, resumida.
Que uma grande esperança malograda
.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansioa e embevecida,
È uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda vida

Essa felicidade que supomos,
Arvore milagrosa que sonhamos,
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde estamos.

Felicidade, árvore frondosa de dourados pomos. Existe, sim, mas nós nunca a encontramos porque ela está sempre apenas onde nós a pomos, e nunca a pomos onde nós estamos.

VIVÊNCIAS EXPERENCIAIS



Eu tenho motivos bastante sugestivos para que este texto chegue até você. A razão é muito simples: Eu vivi, mais ou menos durante 60 anos, imerso numa espécie de “aquário”, no qual o peixe é o ultimo a perceber a existência da água”.
Trata-se de uma metáfora de vida, própria da maioria dos seres humanos, os quais vivem na civilização a que pertencem num desconhecimento crônico do próprio Ser e, pior ainda, numa crescente despossessão de si mesmo.
É verdade sim, pelas minhas revelações vivenciais. Tal constatação é real e não muito diferente da dos meus semelhantes que fazem parte da minha história singular.
Quando, pela primeira vez há mais de 20 anos, procurei um Psicólogo para tratamento psicanalítico, a cada sessão eu elaborava uma série de textos escritos, explicações e mais explicações, esquemas e desenhos mirabolantes, aporias de definições e outros argumentos, a fim de orientar o psicanalista. Ele simplesmente me dizia: nada disso me interessa!. Eu quero apenas que você me traga o seu inconsciente. Na época, eu nem sequer imaginava o que significava o verdadeiro inconsciente, bem como o seu poder de influência.
Gradativamente fui compreendendo que tudo que eu tramava eram simplesmente boicotes do meu ego, como mecanismo de defesa para encobrir a minha verdade inconsciente. Tudo para mim era muito enigmático e doloroso.
Ninguém escapa de ter que enfrentar uma verdade inconsciente traumática, insuportável para o eu (Ego) consciente e ter que aprender a conviver com ela. Jung dizia: “o homem somente encontrará a paz quando consciente e inconsciente aprenderem a conviver em harmonia”.
O inconsciente não é algo que se oferece de forma benevolente, pelo contrario. é algo que teima em se ocultar.  Os desígnios conscientes não são capazes de elucidar os enigmas presentes no inconsciente, que se manifestam dissimuladamente nos sonhos, nos atos falhos e nas lacunas do discurso consciente.  
No século passado, Freud desenvolveu a ideia de três humilhações sucessivas sofridas pelo homem. A primeira privou-nos do lugar central do Universo, quando Copérnico demonstrou que a Terra gira ao redor do Sol. Em seguida Darwin demonstrou que somos descendentes dos primatas, em razão da evolução cega, desalojando-nos do lugar de honra entre os seres vivos. Finalmente, Freud descobriu a predominância do inconsciente em processos psíquicos, atestando que “o eu não é senhor em sua própria casa”
Isso acontece porque a verdade do sujeito acha-se aprisionada numa velha palavra, palavra essa que sugere o não ser a si mesmo (alienação).
Pelo fato da consciência do homem estar desperta, a ciência define o homem como o observador, ou seja: a capacidade de observar a si mesmo. Portanto, é um ser de potencialidades desprovido de “bola de cristal”.
Nos reinos inferiores ao homem, é dada à forma material a capacidade de evoluir; no reino humano, pelo contrário, é a consciência que cresce, se desenvolve e se expande, revelando-se aos poucos com crescente capacidade de reflexão, de observação e de percepção consciente.
Se for aceito o que foi dito, aos poucos será percebida que a verdadeira natureza do ser humano está oculta profundamente dentro dele. Ela é como uma semente que deve se abrir, germinar e crescer por meio das experiências da vida mundana.
Um dos maiores preceitos da psicanálise é a recusa em tamponar a brecha que existe entre o sujeito e a sua verdade. Daí, um poderoso fomento para o desenvolvimento do senso crítico.
O resgate do ser de qualquer paciente, necessariamente, terá que passar por um longo e sinuoso percurso para o processo de ressignificação do verdadeiro sentido da vida, descortinando novos horizontes e abrindo a vida para a criação.  Certamente, não será uma tarefa fácil; pelo contrário, frequentemente se mostrarão difíceis e dolorosas.
Podemos sugerir que o verdadeiro objetivo da vida humana é a evolução da consciência, que no homem se individualiza e se torna “consciência de si”. Por meio do autoconhecimento, o homem descobre sua verdadeira natureza e sua origem divina.
È oportuno descrever a seguinte citação:

“Declara-se que o homem é uma criatura que está em busca constante de si mesmo – uma criatura que, em todos os momentos de sua existência, deve examinar e escrutinar as condições da sua existência. Nesse escrutínio, nessa atitude crítica para com a vida humana, consiste o real valor da vida humana” (CASSIRER, Emst. Ensaio sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 17)

CAIXA PRETA  Roberto Lanza
15/11/2015


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O POVO É VIDENTE

De acordo com os noticiários da imprensa em geral, os indícios de corrupção no Brasil já não valem mais nada! Na atualidade, a verdadeira realidade, é: "é-vidência".

CAIXA PRETA
04/09/215

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

OS BOICOTES DO EGO

Para nós chegarmos ao ser, “eu sou”, esse sou ganha autenticidade quando ele é energizado com um constante estar. O estar é a mola mestra, é a mola essencial, central para um legítimo ser. Nós temos que ter essa ótica bem definida, com identificação plena com os objetivos bem situados e bem selecionados, sempre reciclados e observados. Todas as vezes que nós queremos transformar o estar num ser, entramos em frustração.

É necessário aprender a sair da frente do espelho e ver o outro semelhante com os olhos da alma. Quem não “sabe dizer eu”,   nunca saberá dizer “você”. Infeliz daquele que não sabe que não sabe e nem sequer quer saber. Assim, ele nunca saberá se responsabilizar pela sua vida. Ora! Não se vive da vida, vive-se a vida. 

A visão do mundo com os olhos do ego é cheia de equívocos e um depósito de mal entendidos, uma vez que o ego  é uma criação do imaginário humano e não é senhor em sua própria casa, como disse Freud. Além disso, ele é um excelente especialista em boicotar a realidade com muita habilidade. 

O estar no mundo de cada um, é apenas uma forma de perceber a realidade de acordo com  sua realidade psíquica. Quantos engodos! Quantos equívocos!

        A fantasia é que é responsável pelo enquadramento da relação do sujeito com a realidade: sua janela para o mundo. É dela que o sujeito tira, ilusoriamente, a segurança do que fazer diante das situações que a vida se lhe apresenta. O sofrimento leva o sujeito a “pro – curar”  tratamento apropriado, visando tirá-lo da sua naturalidade inconsciente e da sua  artificialidade consciente, para a assertividade existencial, o que exige um percurso longo e sinuoso.

CAIXA PRETA Roberto Lanza
01/09/2015

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

APARELHO PSIQUICO


Freud durante suas pesquisas sobre a formação do aparelho psíquico, ele concluiu que o aparelho psíquico não é psíquico, ele é um aparelho de linguagem. Ele  não concebe um aparelho de linguagem como constituído na relação com o mundo, mas como construído na relação com outro aparelho de linguagem.

O aparelho de linguagem forma-se aos poucos, elemento por elemento, na relação com o outro aparelho de linguagem
, e é apenas por referência a esse outro que ele funciona. É importante que se entenda esse “outro” como sendo outro aparelho de linguagem e não como sendo o mundo. O mundo, por si só, não é capaz de produzir um aparelho de linguagem e é, apenas, no seio de uma pluralidade de aparelhos de linguagem que um novo aparelho de linguagem poderá surgir.

É, portanto na relação com outro semelhante, enquanto falante, que o aparelho de linguagem se forma, e não na relação enquanto objeto do mundo. Mesmo o outro, enquanto objeto do mundo, só se constitui como objeto a partir da linguagem, a qual cria o denominado "campo da realidade". Todos
nós nascemos totalmente analfabetos. 

Na realidade o mundo não tem cor, não tem cheiro, não tem sons e nem sequer sabores. São os nossos cinco sentidos que transformam as combinações químicas em sabores e cheiros, as vibrações sonoras em sons e ruídos e os espectros da luz o cenário físico do mundo exterior.


Portanto, não é a coisa que fornece a significação do objeto. Por exemplo: esse vinho é muito saboroso..Não se trata, pois, de uma auto-enunciação pela coisa. O que a coisa fornece são elementos sensíveis, impressões, que somente adquirirão unidade de objeto a partir da linguagem, mais especificamente da relação que esses elementos mantêm com a representação-palavra. Sem essa articulação representação-coisa e representação palavra não haverá apenas aparelho de linguagem, como também não haverá aparelho psíquico. O animais se comunicam mediante uma linguagem apropriada fornecida plea natureza.

A representação-objeto não é, uma representação icônica da coisa, não é semelhante à coisa, mas apenas
índice da coisa. Seu significado é dado pela representação-palavra e não pela coisa. Isto quer dizer que as representações, sejam elas representação-palavra ou representação-objeto, remetem-se umas às outras de tal maneira que formam entre si uma trama ou uma rede de articulações, de signos / signos que na função significante remetem a signos e não a coisas.

É impossível, portanto, imaginarmos o aparelho psíquico como algo que se esgota em si mesmo. Não se trata de um aparelho já pronto que, em seguida, entra em relação com o outro e com o mundo. O aparelho psíquico não é em-si, é para-si, e é nessa relação ao outro que se constitui consciência de si.

A verdade porém é que sua concepção do aparato psíquico encaixa-se perfeitamente com a tese fundamental de Hegel de que o desejo do homem é o desejo do outro, ou, se preferirmos, que o desejo humano é desejo de desejo. Essa dependência fundamental do aparato psíquico para com a linguagem coloca uma questão: a do próprio estatuto do aparelho psíquico. Assim o aparelho psíquico é um aparelho simbólico e não um aparelho psicológico.

Por outro lado, não há aparelho psíquico sem memória, não sendo entendida como uma faculdade ou uma propriedade deste aparato, não é algo que surge depois do aparato já constituído, mas algo que é formador do próprio aparato. Não é o aparelho psíquico que é pré-condição para que se forme o aparato psíquico e sim a linguagem Sem a linguagem a pessoa desaparece e o mundo também.

As opiniões e desejos de outras pessoas fluem para dentro de nós através do discurso. Nesse sentido, podemos interpretar o enunciado de Lacan de que o inconsciente é o 
discurso do OUTRO (Grande outro - pais, família, parentes, instituições, Deus, religião, etc...) ou melhor dizendo: inconsciente está repleto da fala de outras pessoas, das conversas de outras pessoas, e dos objetos, aspirações e fantasias de outras pessoas (na medida em que estes são expressos em palavras). Assim, vivemos num mundo bastante enigmático

CAIXA PRETA Roberto Lanza
21/08/2015

domingo, 16 de agosto de 2015

REEDIÇÃO: As Aparências

A palavra “fenômeno” vem do grego phainein” que quer dizer mostrar-se. Mas, normalmente, entendemos por fenômeno aquilo que aparece e que se mostra quase sempre de modo incomum, extraordinariamente. Já o verbo phainestai” na voz ativa, significa vir à luz, tornar-se claridade, fazer aparecer. Mas, na forma reflexiva, indica uma ação que não é nem ativa e nem passiva, escondendo um modo de ser próprio da ação medieval: a dinâmica de tornar-se e ser “a si mesmo”. As palavras phainestai e phainein (fenômeno) têm origem de phos, que significa luz, incandescência. Portanto,  o verbo phainestasignifica: luzir, ser incandescência da claridade, sendo neste sentido chamado em latim de evideri” , de onde vem a palavra “evidência”. Assim, é neste sentido de “é-vidência” (ser vidência) de mostrar-se presente, de aparecer, que devemos entender a palavra “fenômeno”. Fenômeno é, pois, o que assim se mostra a partir de si a si mesmo.
Aqui é necessário se precaver contra a tendência, em uso, de entender o fenômeno como “aparência” no sentido de exterioridade, isto é, “fachada” externa de algo que está oculto atrás. Assim, como a cor amarela dos olhos é sintoma de hepatite, por não mostrar diretamente a inflamação do fígado, não é fenômeno. Por exemplo: fumaça é sinal de fogo, mas não se apaga o fogo apagando a fumaça.
O modo de ser da “é-vidência” do fenômeno é diferente do da aparência. No fenômeno a coisa é ela mesma que se apresenta, digamos “pessoalmente”, na claridade do seu ser. Neste sentido, a claridade do luar não é sintoma da lua, mas a lua ela mesma no seu aparecer. Os gregos, no entanto, em vez de “fenômeno” diziam também “Ón”, particípio do verbo “einai” que significa ser. “Ón” significa, literalmenteem sendo. Em português, substantivado temos então “o ente”. O ente é o ser.
Os gregos, portanto, consideravam o ente a partir da dinâmica do vir à luz, do aparecer. Assim, fenômeno e ente dizem o mesmo. Tudo que podemos chamar de “entidade” podemos chamar de “fenômeno”, só que, no uso corrente, por “o ente” entendemos como “coisa”, como algo estático; ao passo que por “fenômeno” entendemos o momento dinâmico da ação de aparecer. Daí a conotação de extraordinário, do incomum, na palavra “fenômeno”, na sua acepção usual.
Se entendermos assim tanto o fenômeno como o ente em seus sentidos originários, como incandescência da claridade no ser,  então podemos dizer que cada entecada fenômeno tem seu próprio modo de mostrar-se na verdade do seu ser. Quando um fenômeno não é respeitado no mostrar-se todo próprio da verdade de seu ser, de uma posição alheia ao próprio ente, ao próprio fenômeno, o aparecer do fenômeno, a sua “mostração” se torna defasada, desfocada. Em vez de a “coisa” ela mesma se apresentar na sua verdade, em vez de se revelar, é colocada sob a mira ou enfoque de uma outra causa.
O fenômeno é o que, a modo de incandescência da claridade, se mostra a partir de si a si mesmo na verdade do ser, cuja “mostração” deve ser respeitada com precisão, se não quisermos permanecer na “aparência”. Então, o fenômeno como vir à luz do ente ele mesmo, nele mesmo no seu ser, decai para o estado deficiente de “aparência” no sentido de “falsificação”, de “ser aparente”, de “fachada”, não autêntico e verdadeiro.  A nossa identidade psicológica, ou ego, ou ser social está ligada à personalidade (do latim – “persona” = máscara) e não ao nosso verdadeiro ser, caracterizando um estado de estar em evidência, de idolatria e até mesmo de mendicância afetiva, em busca de afirmação e de reconhecimento do seu valor pessoal através dos outros. A pessoa não se ré-conhece. Prefere ser reconhecida pelos outros.
Torna-se indispensável para o crescimento pessoal e o resgate do ser ou do ente, abrindo a vida para a criação e para a alegria de viver. Caso contrário, a pessoa permanece na alienação de si para consigo mesma, assim a pessoa ao invés de se apropriar do ente ela se torna doente.
Freud já dizia: “O ser humano não morre porque está doente. ele adoece para morrer”

Bibliografia: Estevão Tavares Bettencourt – Crença, religiões, igrejas e seitas. Coletânea de artigos publicados na revista O Mensageiro de Santo Antonio.

CAIXA PRETA
08/01/2015



sexta-feira, 14 de agosto de 2015

REEDIÇÃO: Eu sei quem eu sou! E você?

domingo, 21 de dezembro de 2014


Eu sei quem eu sou. Passo a receita para quem se interessar.

           Sem possibilidade de precisão, mas possivelmente quando eu teria entre cinco e seis anos de idade, ocorreu-me um fato relevante na minha historia de vida, durante a colheita de jabuticabas num pomar pertencente à um fazendeiro nosso conhecido. 
Eu estava acompanhado de minha família, juntamente com outros familiares vizinhos e dentro do pomar tirei os sapatos para subir em um pé de jabuticaba. De pé em pé fui colhendo a fruta e, ao mesmo tempo, apalpando o mundo, mapeando no meu cérebro sabores e outros fenômenos indispensáveis pára a configuração da minha futura existência, semelhante a uma pequena peça de um mosaico. Contagiado pelo o Dom da vida, fui sendo invadido por uma sensação de euforia,  de liberdade inerente à existência;          
Desprovido de percepção da realidade, fui me afastando do grupo de familiares, permanecendo bastante distraído por determinado tempo.
Quando acordei para a realidade, com o dia já escurecendo, eu me encontrava sozinho e fui tomado de muita aflição, gritei pela minha mãe, mas foi em vão. Desci do pé de jabuticaba apanhei os meus sapatos, mas não conseguia caminhar descalço naquele solo cheio de gravetos perfurantes. Gritei por socorro novamente, mas foi em vão.
De repente, olhei para as fôrmas dos sapatos e simultaneamente a formas dos meus pés e o milagre aconteceu. Consegui articular o encaixe dos pés pela percepção da forma de cada pé com as fôrmas de cada sapato, encontrando a solução. Calcei os sapatos sem dificuldades, o que antes não sabia fazer. Sempre dependia de minha mãe para calçar os sapatos, por virgindade daquele ato, cuja descoberta fui tomado de uma espécie de euforia de libertação, fato comprovado pela minha consciência, pois  nunca mais dependi de minha mãe para tal finalidade.
Acredito que tal evento foi um marco inicial para o penoso processo de inserção na civilização, pois não me lembro de outros eventos similares naquela idade. Certamente muitos outros eventos se manifestaram, mas estão arquivados na minha caixa- preta”, provavelmente de forma inconsciente.
Lembro-me muito pouco da minha pequena infância, mas sei, de forma sintomática, que não foi muito fácil o natural percurso de desvinculação dos laços afetivos familiares com o mundo externo no qual fui inserido.
Ingressei-me no grupo escolar aos sete anos de idade. Aos poucos fui aprendendo, também, como me preparar e vestir o uniforme, por iniciativa própria, mas dominado por uma angustia inominável. Que bom que eu aprendi a me preparar para o meu ingresso na civilização (afinal, não existe outro meio!), mas, há um risco. Vejamos o que disse o Grande Pensador Rubens Alves: Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas”.
Por outro lado, considerava tudo uma obrigação sem sentido e desagradável. Tomei até antipatia do banho e do uniforme escolar. Sentia-me conduzido por algo misterioso e indesejado retirando-me do aconchego e da zona de conforto.
Disso eu nada entendia. Nem tampouco na escola primária, como por exemplo: a lógica da análise sintática da disciplina Língua Pátria. Aprendia no decoreba. Quando passei a entender matemática dentro da sua lógica formal (pois tinha facilidade), tudo melhorou para outras disciplinas. Interessante destacar que: quem resolve um problema de matemática está focado no processo, sem se preocupar com o resultado. Eis aí um paradigma para a importância da busca e da indagação. O processo é sempre recorrente a valores já conhecidos, tais como: tábuas aritméticas, princípios, axiomas, propriedades primitivas ou postulados e outros princípios e valores em alta escala.
Na minha história singular, gostaria de destacar outros pequenos tópicos que vivenciei no trajeto da minha infância para a adolescência, época onde as tradições culturais, pelo menos, eram mais autênticas e mais assertivas..
Algumas vezes, ficava observando os urubus plainando no céu sem precisar bater suas asas. A inveja me dominava e eu questionava de maneira egoística: por que eu não possuo este privilégio? Será castigo de Deus?
E mais, ainda: naquela época sempre ficava fascinado, quando visitava o alto das colinas ou das serras, observando o sol aparecer ou desaparecer na linha do horizonte, até onde os meus olhos alcançavam.
Acreditava, com a minha ingênua imaginação, que ali era o inicio ou o  fim, mesmo com uma incrível admiração e natural beleza, permanecia lá, alheio ao mundo e à deriva da minha imaginação, olhando o solo ressurgindo ou se afastando aos poucos, e encontrando com as aureolas solar matutinas e vespertinas Será que está começando um dia novo ou um velho dia de novo?. Faz sentido para a natureza humana!
Apesar do ciclo vicioso ou ciclo virtuoso condicionante à percepção de cada um de nós, eu buscava encontrar lógica para a tais fenômenos, mas eu não possuía alcance suficiente para compreendê-los. De maneira superficial, conseguia perceber que o dia e a noite não podiam conviver juntos e que, por outro lado, a constituição de um lar necessitava de um pai e de uma mãe (indícios de polaridades para mim  predominantes).
Essa repetição cambiante, assim como outros fenômenos existenciais, algumas vezes novo dia, todo irradiante e iluminado parecia=me como o Dom da vida. Mas, outras vezes, tudo parecia o velho dia de novo, se repetindo. Essa inquietante estranheza, fruto da repetição, incomodava-me bastante. 
Acontece que a natureza sempre foi, é, e será assim de forma autônoma e sem tomar qualquer tipo de deliberação, constantemente em processo de evolução sem dar saltos, sempre indiferente à nossa opinião e contemplação. Afinal, por que nos rebelamos com tão indiferença da natureza?
O principio da não indiferença ou do manancial de diversidade de coisas. objetos e valores só existe para a humanidade.Tudo que é antrópico não é natural e é tributário da linguagem humana...
Assim, parecia-me que cada conhecimento adquirido induzia-me a acreditar que: “quanto mais visibilidade, maior é a invisibilidade” (pensamento filosófico).
Torna-se oportuno mais uma vez citar Rubens Alves::
“Há pessoas de visão perfeita que nada veem... O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido [...] o que somos é o resultado de uma história que fizemos – e que poderíamos ter feito de maneira diferente.”... e se não poderíamos tê-la feito diferente, não podemos agora fazê-la?.
O tempo passou, eu cresci e entendi que o novo dia causava-me alegria enquanto que o velho dia de novo era uma repetição angustiante.
Da mesma forma, o aumentar dos solos e o diminuir da intensidade da luz solar não era de verdade, pois tal fenômeno sumia para mim enquanto surgia para outros olhares que, em algum outro lugar, dividia comigo o ato magico de navegar pela vida.
Tratava-se, portanto, na verdade, de tudo que eu via era pelo singular e puro fato de quem ainda não aprendera sobre certos limites.
Com o meu amadurecimento natural e pessoal, pude compreender que tudo se tratava de compartilhar com nossos semelhantes  uma maneira sutil de ritualizar uma nova existência..
Trata-se de um fato de que temos sempre a opção de continuar achando que a finitude dos horizontes da percepção seguem o pressuposto da sentença do berço ao túmulo”. E ainda, quando chegada a hora, morrerão por si só.
Um importante conceito filosófico nos diz que: “nada nasce ou perece, tudo que existe é uma mistura e separação de coisas já existentes”.
Faz sentido matar dentro de nós. Questão de espaço.. É que não comportamos tudo. Não há espaço para tantos conhecimentos e sentimentos. E quando insistimos em manter vivos certos sentimentos através de respiração artificial, não há espaço para nascer nada de novo. Então temos que abrir o baú dentro de nós contendo  mágoasdores – velhas ou novas moções empoeiradas, vícios humanos, escolhas erradas, ferimentos mantidos sangrando, decepções, conceitos obliterados, amores infelizes, imagens amareladas, relacionamentos passados, tristezas, amarguras, pessoas perdidas, etc.. É o protótipo dor de existir que morde a vida e sopra a ferida da existência.
Há dentro do ser humano um sentimento profundo de perda de algo precioso e um forte vínculo que caracteriza uma união e, ao mesmo tempo, uma interdição como se a articulação existencial do um com o outro não existisse como separação.
No fundo uma anulação da identidade própria dotada de um complemento, bloqueando uma alteridade feliz e desejo de amor e de sexualidade.
Mas, na verdade, isso significa manter no nosso âmago tudo - até o lixo - que arquivamos em nossa “caixa preta” cada vez mais abarrotada de arquivos que crescem e crescem engessando a nossa vida, que, na verdade, não passam de arquivos mortos. É isso! Ou então encaramos a fera e aprendemos a matá-la.
Mas, o que deverá morrer em mim hoje? Essa é a pergunta que a fera sugere para começar.
E eu, com a experiência vivencial observadora, permiti-me acrescentar: não basta escolher dentro de nós o que deve morrer e em seguida matar. É preciso enterrar. Assim, eu passei a ver o mundo de outra maneira e não foi o mundo que mudou, foi eu.
Acontece que os nossos desígnios conscientes não são capazes de elucidar os enigmas do nosso mundo subterrâneos cheios de vastas emoções e de pensamentos imperfeitos. Por capricho do destino do humano, condenado a ter consciência de si mesmo, é um ser subvertido pela verdade do desejo inconsciente e representado pela ordem simbólica. Somos “plugados “ demais às nossas tradições cultuais. 
E por aí vai... A lista é individual e cada um tem a sua. O que é comum a todos é a responsabilidade de, interiormente, exterminar, dar fim ao que é ruim para que algo novo e bom possa nascer.
É fácil?  Não mesmo! Matar internamente não é um simples desejar, é mudança de atitude. No entanto, para mudar comportamentos de forma permanente, é necessário mudar primeiramente as concepções que os fundamentam. No entanto, Infelizmente, no ser humano “há um saber que convence, mas não converte”. 
Porque às vezes o que nos fez mal já está pra lá de morto, mas mantemos mumificado dentro de nós, para usarmos como referencial, para não esquecermos de que sofremos para não cairmos de novo nas mesmas armadilhas. Outro engano: nada é igual nunca. Dores embalsamadas não servem como exemplo e nem protegem, só paralisam.
Não há fórmula. Não há bulas. A única maneira de viver é permitir que a vida nasça e morra e de novo nasça, tantas vezes quanto forem necessárias. Portanto, para abrir os espaços é necessário fazermo-nos  perguntas. E uma vez identificado o que não é bom e não nos serve mais, devemos dar-lhe a morte. Em seguida enterremos nosso morto, choremos um pouco, e, cumprido o ritual, vistamo-nos com esmero para esperar. Afinal, viver é inventar a vida. Algo bom estará nascendo.
E olhando da janela da nossa “caixa preta” para o horizonte que parece ser o fim, mas é também o princípio, podemos considerar: “não somos nada, o que buscamos é tudo”. .(Rubens Alves).
A partir da reflexão de Nietzsche a seguir, é possível pensar nas várias maneiras de exercermos a nossa liberdade, mesmo que para isso seja necessário nos perdermos. A grande sabedoria está no saber perder-se a si mesmo e em seguida buscar o caminho do reencontro consigo mesmo:  "Uma vez que se tenha encontrado a si mesmo é preciso saber, de tempo em tempo perder-se e depois reencontrar-se, pressuposto que se seja um pensador. A este, com efeito, é prejudicial estar sempre ligado a uma pessoa". Afinal, viver é inventar o dia por si só
Com base na reflexão acima, acrescento eu: o sentido proposto por Nietzsche para tal pessoa, não se trata de uma pessoa qualquer encontrável no mundo exterior, trata-se de um outro de mim mesmo ao qual sou mais apegado, mas não me completa nunca. 
                                                                     
            Para concluir: 

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas 
usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer 
os velhos caminhos, que nos levam sempre 
aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: 
e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado,
para sempre, à margem de nós mesmos.”
Fernando Pessoa

CAIXA PRETA Roberto Lanza