domingo, 17 de maio de 2015

ILUSÃO DE COMPLETUDE


Desenho de Roberto Lanza
ATÉ ONDE PODEMOS FICAR OU AVANÇAR? 





No Evangelho de Marcos 8.34-35 ele escreve o que Jesus Cristo disse: "E chamando a si a multidão, com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me" [...} Porque qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas, qualquer que perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, esse a salvará.

Permanecer sobre a ponte é o lugar do "porto seguro";  das certezas, da procrastinação; da "esperança milagrosa" e do "espera - ser". Seguir para o outro lado da ponte é lançar-se para a vida, é arriscar-se nas alturas e nas incertezas: é ter coragem de se rever para defrontar com a sua própria verdade de SE  fundamentalmente desamparado. Nesse sentido, torna-se necessário lançar-se na angústia existencial.

Querer satisfação plena todo mundo quer. Mas abrir mão de si pelo outro é impossível e pouco recomendável. O justo seria tentar ser fiel ao próprio desejo, mas deixando entretanto de ter um certo cuidado com a forma de lidar com isso. Afinal orientar por uma ética mais solidária talvez seja a saída. Tentar levar as coisas de tal modo que, sendo fiéis ao próprio desejo, não esqueçamos que o outro existe e que esta alteridade deve ser considerada. Isso é difícil, mas não impossível. Afinal, que graça teria se na vida fosse tudo muito fácil?

Amarga realidade é a de quem fecha os olhos para os riscos e as possibilidades de encontrar pela vida alguém, acreditando que haverá plenitude desse encontro. Haverá sim um encontro, mas será de duas faltas. A sua e a do outro. E se não se pode ver isso, o perigo é maior porque da ilusão vem logo a desilusão, lógico. Eis aí o horizonte da incompletude. 

A vida é a arte das escolhas, dos sonhos, dos desafios e da ação. Em toda perda há um ganho. Em todo ganho há uma perda. Quem escolhe o que perder, perderá o que não escolheu. Não apague a sua estrela para ficar se exibindo para ser notado pelo brilho do olhar dos outros.

Se a pessoa se sente “escolhida” (veja COMPLACÊNCIA EXCESSIVA neste Blog) permanece insatisfeita, por não ter feito a escolha que desejaria, ficando engessada na sua capacidade de dizer “não” para aquela posição existencial.  Como a vida é uma metáfora de quem você aparenta que é, a negação da sua verdade  inconsciente se manifesta sob a forma de decepção e de insatisfação através dos sintomas. Assim, a pessoa permanece no cativeiro sequestrada por si mesma. Acontece que o sequestrador (o outro de si mesmo) cobra o resgate (na natureza ninguém fica impune por não querer ser a si mesmo) colocando a pessoa angustiada e frustrada, que vai crescendo cada vez mais como uma bola de neve, em razão do desconhecimento crônico de si mesma. .É ai que reside a alienação existencial.

Pior ainda, a pessoa fica na expectativa de uma solução mágica, gerando ansiedade e frequentemente imobilizada diante dos desafios da vida cotidiana, em razão do estado de assujeitamento a quase tudo, por ignorar a sua própria verdade e o próprio ser. Nunca fique na “esperança milagrosa” de que o mundo vai mudar para melhorar a sua vida. O outro lado da ponte é lugar onde se localiza o vazio existencial, o qual cabe a cada um preenchê-lo mediante a contabilização das suas realizações pessoais. Ninguém nasce com receituário e bula para orientar o seu destino. Conquistar o seu estar no mundo é tarefa penosa de cada um.

O que todo mundo precisa é do resgate do próprio SER mediante a libertação das amarras de sua alienação existencial na linguagem e, inconscientemente, nos fortes laços afetivos indestrutíveis e profundamente enraizados que mapearam a sua realidade psíquica..Somos "plugados" demais ao nosso romance familiar vivenciados na pequena infância.

Vejamos a seguinte poesia:

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei por que, uma angústia recente.
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve como uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.

PESSOA, Fernando. Ode MARÍTIMA. O eu profundo e os outros eus. Rio de Janeiro; Nova Fronteira.
  
Essa pessoa misteriosamente minha é na verdade uma falta primordial, protótipo da angústia e da saudade: falta que não é do outro, mas do próprio ser, segundo o Psicanalista Lacan. Quer você entenda quer não,  o ser humano é estruturalmente um SER de falta de presença constante. Enquanto viver sempre estará faltando-lhe alguma coisa. Somos seres recorrentes à nossa originalidade. 

Como falta e desejo são coexistentes, no lugar da falta surge o desejo. Desejo que, é caracterizado por uma "presença de uma ausência”; é a “nostalgia de algo perdido”, segundo Lacan.


Aqui cabe a seguinte citação: O desejo é a própria essência do homem, ou seja, o esforço pelo qual o homem se esforça por perseverar no seu ser". (Baruch Spinoza).

“Esse algo ou objeto perdido” quer dizer, segundo Lacan: Outro (Grande outro primordial). Primeiro objeto de amor da criança, ou seja – quem exerceu a função materna (geralmente a mãe biológica). No entanto, quem tem tudo a tempo e a hora nada tem a desejar. Se esse elo não for rompido nada faltará ao sujeito e em contrapartida não haverá desejo. A falta é uma condição essencial para o surgimento do desejo. Caso contrário, seremos  um ser desprovido de motivação para viver

Eis que o desejo torna-se a grande aventura humana! Mas, para vivermos na civilização torna-se necessário suportar a sua insatisfação (sublimação), como o preço que ele próprio se impõe. É o preço que se paga por uma realização possível. Da onipotência da satisfação, o sujeito passa para a possibilidade da realização.(Ver artigo publicado neste Blog denominado “UMA QUESTÃO DE VIDA OU MORTE”).

Na busca do elo perdido, o homem se aventura a relacionar-se. Tudo que encontra, porém, é a incerteza, a falta de garantias. De nada adiante reeditar o Grande Outro, pois ele não pode oferecer o Bem Supremo. Entregar-se a esse Outro é o que ele tenta fazer, sustentando ainda a ilusão de que se tudo lhe der, correspondendo ao que imagina ser esperado dele, do Outro tudo terá. Ou seja, sendo ele tudo o que o Outro espera só para ele o Outro existirá também. Não é preciso ter horror da falta e nem da obscura autoridade do Outro, porque o Outro doa amor e não requer prova de amor do filho, Mas ele permanece na condição de que ele é que é o agente responsável para garantir tal reciprocidade, que não passa de uma fantasia. para suprir o desejo do Outro..Tal suposição torna-o o objeto que complementa o Outro. 

Pura repetição infantil, em que o sujeito ansiava pelo puro reconhecimento de seu desejo, para ser o objeto único de desejo do Outro. 

Mas quem não quer ser reconhecido? Entretanto, será apenas no suporte da insatisfação que certo reconhecimento será possível ao desejo e ao sujeito: Se antes via apenas o Outro, e, portanto a si mesmo, agora deve ver o outro, aquele que desvia os olhares do Outro e dele mesmo, fazendo-se conhecedor de uma falta que não se completa nunca. Ao abrir Mão do reconhecimento absoluto, o sujeito ingressa numa outra via: a da possibilidade de existir, pois de modo diverso, o reconhecimento de um implicaria na morte do outro.

Assim, o ser humano é um ser dividido numa busca constante da sua outra metade supostamente perdida. Pura ilusão! Não há possibilidade de sobrevivência sem o todo, sem o uno. Conviver com a dualidade é uma condição de vida ou morte.Eu sou eu mesmo e nada me falta.O que existe na realidade é a Fantasia da Separatividade

CAIXA PRETA Roberto Lanza
17/05/2015

  

segunda-feira, 4 de maio de 2015

NOSTALGIA DA VARIEDADE PERDIDA.

Pela nossa estruturação psíquica, somos condenados a sermos livres para escolher o que queremos e, ao mesmo tempo, condenados à recorrentes. O que significa isto? Vejamos o que disse Freud:
            “Sempre comi quando tive fome. Vivi solidão confortavelmente. 
E, duas ou três vezes na vida, encontrei uma pessoa que quase me compreendeu”. 
Oh  tragédia da “vida aos bocados”, que nos condena à recorrente!”.

Um simples exemplo de recorrência na vida cotidiana, de todas as pessoas. A todo momento ,existe uma imensidão de pessoas fazendo compras em estabelecimentos comerciais. Qualquer pessoa para efetivar a compra de mercadorias, diante do caixa, a aritmética tem que estar presente, como um grau de recurso absoluto. No campo jurídico, o ato lícito também tem que estar presente. É muito comum na área jurídica falar-se em recursos, numa espécie de jogo "perde/ganha", "tentativas/erros", dependente das instâncias jurídicas. Na nossa mente também existem instâncias psíquicas que são ambíguas e contraditórias, dependentes das crenças/valores de cada pessoa. 

No campo afetivo tudo é mais complexo e atuante de forma imperiosa e autônoma, sem nosso conhecimento. Estamos sempre recorrendo às nossas experiencias vivenciais do passado. Diante dos estímulos externos, as nossas reações são condicionadas pela a nossa história de vida pessoal e principalmente pelo nosso sistema de crenças/ valores.

Segundo Freud: "O adulto nada mais é do que o filho da criança que foi [...] O nosso passado está sempre atualizado no presente. Há sempre uma retroalimentação permanente". O que significa dizer porque somos condenados à recorrente. 

Somos também seres livres para realizar nossas escolhas. Toda escolha implica numa perda, porque aquilo que foi escolhido pode ser uma recusa ou perda daquilo que não foi escolhido. Fazer uma escolha é uma tomada de decisão (de-cisão), o que quer dizer que toda escolha implica numa cisão.Assim disse um Filósofo: " O diabo é que entre 100 escolhas só posso fazer uma e as outras 99 ficam me perturbando". Neste sentido, há uma espécie de sensação de vazio semelhante à uma "nostalgia de variedade perdida". 

CAIXA PRETA Roberto Lanza
04/052015


domingo, 3 de maio de 2015

NÃO HÁ COMPLETUDE. EXISTE PARTILHA.

“Para viver à dois, antes, é necessário ser um.”
Fernando Pessoa

Segundo Aristófanes, dramaturgo grego (c.447 a.C. – c.385 a.C.), antigamente éramos seres andróginos e completos e fomos separados em duas pessoas, por Zeus em um de seus ataques de ira. Desde o dia em que fomos partidos em dois, procuramos a nossa “outra metade”.

Infelizmente, muitas pessoas ainda hoje veem num relacionamento a promessa de se tornarem “completas”. Nada mais equivocado do que esta ideia.

Não precisamos do outro para sermos completos, porque já somos completos. Trazemos dentro de nós tudo o que precisamos para viver. O outro deveria vir para COMPLEMENTAR e não para COMPLETAR. Deveríamos nos ver como seres inteiros buscando outros seres inteiros para juntos sermos melhores e mais fortes.

Enquanto tivermos esta ideia de metade, sempre procuraremos fora de nós as respostas que estão dentro de nós, sempre viveremos nos apoiando, nos escorando nos outros, dependendo de opiniões e manifestações de afeto e nunca conseguiremos estar verdadeiramente conosco pois sempre teremos um buraco dentro de nós e, os momentos que estivermos sós, terão gosto de vazio, de solidão.


Precisamos aprender a nos dar amor, atenção, cuidado, respeito, admiração, etc., pois se não fizermos isso, ficaremos esperando que o outro adivinhe, por iluminação divina, o que queremos e o que precisamos. Estaremos sempre cobrando das pessoas que estão conosco mais do que elas podem dar e estaremos sempre “quebrando a cara”, sempre nos decepcionando, até o dia em que passaremos a dizer que “não temos sorte no amor”.


Sorte ou Azar não existem dentro de um relacionamento. Existe maturidade afetiva, inteligência emocional, auto-estima e bom senso. É isto que vai fazer um relacionamento dar certo ou não.


Vale ressaltar, quando digo “dar certo”, eu não estou falando de um relacionamento que dure toda a vida (mesmo porque às vezes as pessoas arrastam um relacionamento que já acabou pela vida toda!) e sim de uma relação que valha a pena viver, independente de seu tempo de duração.


Transcrição do artigo original de: Dora Guiseline – 2006-2010. www.revolucione.com.br.   


CAIXA PRETA Roberto Lanza

03/05/2015

sábado, 2 de maio de 2015

NATUREZA E CULTURA


Ao nascer, o homem só tem de homem o status de animal vivo. Como tal, não passa de um ser de necessidades. Para conquistar sua identidade, será preciso que se torne ser de desejo, isto é, consciência desejante ou consciência de si (Freud).

Esse desejo provém da falha, da impossibilidade de que o outro o entenda plenamente ou mesmo que atenda totalmente sua demanda de amor inesgotável, portanto, impossível de ser atendida (retorno ao estado originário).

Na verdade, o "desejo humano, por não ser natural, é fundamente estruturado como desejo de desejo do outro" (Lacan). Assim, o que o sujeito deseja é possuir o desejo do outro o que é impossível, já que desejar é atestar que se está em falta, que é uma condição própria de todo ser humano. Falta, porque ele se julga incompleto.

A ilusão de completude é uma fantasia que nos leva a crer que possuímos o desejo do outro, mas na realidade, quer queiramos ou não, o desejo do outro sempre nos escapa, em função da singularidade de cada indivíduo. Eu consigo ver os olhos do outro semelhante, mas jamais consigo entender o seu olhar, bem cono o seu desejo e qual o seu julgamento sobre mim. Em razão disso, quando dois humanos se encontram há sempre uma interpelação e uma necessidade de reconhecimento recíproco, para a autenticação de cada  existência, Coisas são coisas e pessoas são pessoas. Estamos sempre inseridos numa espécie de "aquário". Segundo Freud, as relações humanas não se dão de ser para ser, mas sim  de ser de falta para ser de falta.

Desse modo, o sujeito está desde sua origem referida ao outro, que pela via da palavra, único meio de intercâmbio, presentifica a cultura.


Lidar com a questão da natureza e da  cultura é muito antagônico e paradoxal: 
"Não há possibilidade de sobrevivência sem o todo, sem o uno. Conviver com a dualidade é uma condição de vida ou morte. Se a mente se caracteriza por ser dual, por separar, dividir, confrontar, julgar, destacar, essa mesma mente jamais poderá apreender a realidade se esta for molar, global, una ou se pelo menos for ´´não-dual``. Sendo a mente dual , e sendo a dialética  um processo puramente mental e que consiste em analisar ou procurar apreender a realidade através da mente, a própria dialética  está condenada, pela natureza do instrumento mental que escolheu, a oscilar constantemente entre um homogêneo e um heterogêneo, impossíveis de absolutizar pelo fato de o próprio instrumento, autor desta oposição, ser, ele mesmo, feito de energia" (Pierre Weill)

         Há na sociedade um grupo determinado de fenômenos com caracteres nítidos que se distinguem daqueles estudados pelas outras ciências da natureza. O que quer dizer que se todos os fatos fossem sociais, a Sociologia não teria objeto próprio e seu domínio confundiria com o da Biologia e da Psicologia.

Quando o homem nasce é lançado fora de uma situação que era definida, tão definida como os seus instintos, para uma situação indefinida, incerta e exposta. Somente há certeza com relação ao passado – e, quanto ao futuro, apenas com relação à morte. O homem é dotado de razão: é a vida consciente de si mesma: tem consciência de si mesmo como entidade separada, a consciência do seu curto período de vida, do fato de haver nascido sem ser por vontade própria e de ter de morrer contra sua vontade. Somos condenados  a "sermos dois para sermos um só".

O mundo simbólico já pré-existe antes do nascimento de qualquer ser humano, dotados de padrões de comportamentos, sistema financeiro, mundo jurídico, religião, estabelecimentos de ensino e conhecimentos de ordem empírica, científica, filosófica, teológica, etc., bem como de uma infinidade de outros condicionamentos. Esse mundo simbólico também denominado “O cosmo humano” rege a sua conduta e, sobretudo a sua submissão e a sua subversão. 

Ao ter que se adaptar nesse chamado “cosmo humano” produto do mundo exterior, dentro de um contexto aleatório e impositivo e formando uma espécie de “computador singular”,  a maneira de agir e de pensar do homem torna-o uma consciência diferenciada das demais consciências individuais. É preciso entender que a subjetividade, sendo uma condição de singularidade de cada um, não permite comunhão de idéias e tudo mais, somos obrigados a acatar as diferenças e suportá-las mesmo.

Se não me submeto às convenções e tradições culturais existentes violando as leis do direito, a consciência pública, pela vigilância que exerce sobre os cidadãos e pelas penas que tem legitimadas ao seu dispor, reprime todo ato que a ofende, até mesmo aqueles de efeitos menos danosos como, por exemplo, sair nu pelas ruas da cidade, apesar da coerção ser menos violenta, não deixa de existir.

 O comportamento humano está definitivamente inscrito na cultura que o gerou. Desta forma, seu modo de agir e de pensar é dotado de um poder imperativo e coercitivo, quer ele queira quer não. Os atributos da singularidade de cada um fazem com que o indivíduo adote comportamentos peculiares com tendências compulsivas de repetição, em sintonia com a cultura que o gerou, incluindo-se os princípios éticos e a força do caráter introjetado.          Esses atributos impõem ao indivíduo uma conduta que pode ser adaptativa por aceitação ou rejeição, forçando-o a respeitá-los ou transgredi-los, constituindo-se atos lícitos ou ilícitos em coerência com os ditames dos costumes e dos padrões aceitos pela sociedade. A cidadania exercida pelo indivíduo está inserida na consciência pública num contexto de liberdade ou de submissão, cabendo a cada um decidir o que mais lhe convém, de conformidade com o seu livre arbítrio. Mas, qualquer que seja a sua conduta, a vigilância da consciência social coletiva pertinente, não deixa de existir. 

       Assim, o homem desnaturou-se e colocou a sua identidade na linguagem tornando-se um eterno insatisfeito, sempre em busca de sua reintegração existencial.. 


CAIXA PRETA Roberto Lanza
02/05/2015